Quem matou, não mate mais

 As "grandes" pregações do Padre Cícero, Padim Ciço, muitas vezes se resumiram a frases assim. De Frei Damião de Bozzano temos gravadas pregações claríssimas (mas num tom comoventemente modesto) sobre a castidade e sobre outros assuntos que, por vezes pareciam que o frade italiano, apóstolo do Nordeste, tinha simplesmente decorado versículos bíblicos como: "amai vossos inimigos; fazei o bem aos que vos perseguem..." Ditos assim, textualmente.

Não temos por escrito muitos sermões de outros santos pregadores. Santo Antônio por exemplo escreveu sermões, mas não eram os que ele pregava, eram para os outros frades.

Certos trechos de pregações suas chegaram até nós, graças a um ou outro cooperador do Santo que tomou nota.

Mas quando pensamos num Santo Antônio, tão importante quanto o que ele dizia nos sermões era o efeito: ele mesmo e algumas dezenas de frades por vezes viravam a noite atendendo as confissões do povo que tinha ouvido a pregação. 

E mais.

Tanto um Santo Antônio, como um Santo Tomás de Aquino ou Santo Afonso tinham uma certa predileção em pregar para camponeses e os camponeses tinham predileção por ouvi-los.

O que significa dizer que embora nos refiramos a três grandes doutores da Igreja, as suas pregações eram acessíveis, claras, simples.

A ideia de que quanto mais inteligente é uma pessoa tanto menos ela é compreensível é uma idéia que surge às vésperas da Revolução Francesa e continua até os nossos dias.

Ainda hoje, por exemplo nas Paróquias, é comum ver senhorinhas que afirmam que a inteligência de seus padres é tanta que ninguém entende o que ele diz.

A Igreja Católica sempre prezou pela clareza. Porque sem definições claras, abrem -se as portas para interpretações pessoais que podem originar pensamentos heterodoxos aparentemente vindos de um princípio correto.

Mesmo num tempo em que o segredo (por uma questão de sobrevivência) era algo comum na Igreja, chama a atenção a clareza de expressões como "os cristãos têm em comum a mesa, não o leito".

Porém, tal como nas escolas se faz com as Revoluções apresentando-as como pontos de grande evolução humanitária, foi necessário lançar nas sombras a clareza doutrinal que sempre marcou a Igreja como um período de rigoroso, moralismo, falta de liberdade para contrapor à terrível confusão doutrinal em que vivemos onde um papa aprova um texto e semanas depois contradiz o documento que aprovou, e em que na melhor das hipóteses a doutrina depende das circunstâncias, ao que é dado o genérico nome de pastoral.

E verdade que, por exemplo, matar sob certas circunstâncias não seja um pecado imputável (pena de morte, legítima defesa, guerra justa), mas essas distinções só são possíveis se o princípio de que o homicídio é um pecado mortal, for claro. Numa linguagem simples, primeiro temos que ter a regra para poder prever exceções.

Creio ser está a motivação principal para que o povo católico atual, desprezando as fórmulas controversas e confusas dos atos magisteriais desde o Concílio Vaticano II, sem deixar de reconhecer e rezar pelas autoridades da Igreja, prefira recorrer ao que é claro e simples.

As pessoas do mundo moderno não só não estão acostumadas como não dispõem de tempo para as elocubrações hegelianas dos teólogos modernos e modernistas. Precisam estudar, trabalhar, rezar, cuidar da família etc. Portanto entre um livro de vinte páginas onde fica claro o que são os mandamentos, o que ordenam e o que proíbem e a quase infinita abordagem moral de um Rahner, onde no final você já nem sabe se Deus existe, escolham o primeiro.

Nessa linha está o Catecismo da Santa Igreja promulgado pelo Concílio de Trento, o de S. Pio X e outros livros de variados autores que buscam clara e objetivamente mostrar a doutrina da Igreja.

Ah, mas houve avanços na humanidade que esses Catecismos não contemplam.

Poderia me dizer quais?

Porque importa saber que mesmo que um dogma tenha sido proclamado depois da publicação desses livros, os dogmas são apenas explicações do depósito da fé que aquele catecismo contém.

E quanto à questões do mundo... Bem, o catecismo traz os princípios. Se "barriga de aluguel" não era um problema no século XVI, sempre o ensinamento da Igreja é que o fim do matrimônio é a prole e que prole sem matrimônio ou matrimônio sem prole (salvo algumas exceção de cunho natural) são imorais.

O mundo pode inventar pecados novos, ou melhor dizendo novos modos de cometer os mesmos pecados. A maledicência é um pecado seja feita no salão de um palácio, numa caça a patos ou no Instagram.

E os textos tradicionais da Igreja são claros. Objetivos. Porque querem salvar almas, não mostrar eloquência, geralmente fajuta.

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