REFRÃO

 Meus caros amigos, 

Existe entre muitos católicos atuais uma espécie de "neo-sionismo", um costume exarcebado de revolver os costumes e práticas judaicos e de algum modo incorporá-los à vida cristã. Isso não é saudável. Não se pode compreender o cristianismo como uma ramificação do judaísmo. O cristianismo é o vinho novo que só se pode colocar em odre novo, caso contrário o odre velho - o judaísmo - e o vinho novo se perdem, como ensinou Nosso Senhor.

Porém, de um ponto de vista teológico, é necessário compreender determinados elementos da Antiga Lei, até para conhecer no que a Nova e Eterna Lei a suplanta. Nesse caso, podemos afirmar que os judeus não eram um povo, se assim se pode dizer, muito reflexivo, como os gregos. Os judeus do Antigo Testamento e aqueles contemporâneos de Cristo tinham uma mentalidade "mais prática", o que será uma das razões para que Cristo incorpore em seu ensinamento imagens do cotidiano, da vida, do trabalho, para que lhes fosse mais fácil compreender. Ao mesmo tempo, mesmo o sábio Nicodemos, não alcança o que Cristo quer dizer de forma mais elevada quando lhe afirma a necessidade de nascer de novo.

Por isso, muitos "sábios" pagãos, ao terem contato com as Sagradas Escrituras, acabavam por desprezá-las considerando-a demasiada simples em sua literatura, isso aconteceu, por exemplo com o futuro S. Agostinho.

Certos conceitos que a Igreja tomará, purificará e usará ao longo dos séculos, embora adequadíssimos para a compreensão da teologia católica, não se encontram nas páginas da Bíblia que conservarão uma linguagem absolutamente simples, mas que velam as verdades mais elevadas.

Escrevo tudo isso para me referir à uma espécie de refrão do Antigo Testamento que se expressa de várias formas, como por exemplo "Ele nos tirou do Egito". A páscoa dos judeus é o grande refrão no Antigo Testamento, a tal ponto que, como diz o Salmo, se hoje não acontecem mais grandes prodígios, basta a lembrança dos prodígios do passado, ou seja da páscoa.

A recordação da páscoa dizia aos judeus que se Deus pode realizar toda obra pascal, como as dez bênçãos (na perspectiva dos judeus, bênçãos; na dos egípicios, pragas), pode libertar o povo, abrir-lhes o mar, afogar o faraó com suas tropas, conduzir e alimentar o povo por quarenta anos, se derrotou os povos e reis até que Israel conquistasse a Terra Prometida, isso siginifica que Ele pode o que quiser.

Deus não deixou de realizar milagres para com o antigo povo eleito, mas esses milagres eram como que "mini-páscoas" e eram compreendidos à luz da páscoa, como o Jordão que se abre para que o povo passe era uma recordação do Mar Vermelho que se abrira quarenta anos antes.

E, como disse anteriormente, se Deus se calava, se Deus aparentemente não atuava, apenas a lembrança da páscoa era suficiente para manter acesa em Israel a chama da fé.

Será exatamente a palavra Alleluia (Louvai a Deus) o refrão pascal, a palavra que resume os sentimentos e a gratidão do povo de Israel para com Deus.

A Igreja, conquanto seja uma realidade completamente nova, herdou e completou esse pensamento com a sua nova e verdadeira Páscoa. Se o povo de Israel sabia que Deus podia tudo, porque os tirou do Egito, a Santa Igreja sabe que Deus pode tudo porque Ele morreu por nós. A Páscoa de Cristo, infinitamente mais, ilumina a mente dos cristãos de modo que nada mais é necessário, porque o que pode ser maior que a morte de um Deus por amor?

E a Igreja faz desse fato o seu refrão não apenas por uma recordação piedosa, mas na celebração da Santa Missa.

Os judeus reviviam a sua páscoa de uma forma quase teatral (comer de pé, com cajado na mão, a pergunta do filho mais novo etc). 

Nós, católicos, pela ação do Espírito Santo não teatralizamos a Paixão de Cristo, mas a renovamos sacramentalmente sobre os altares, oferecendo ao Padre Eterno o mesmo sacrifício do Calvário, uma vez que se trata da mesma Vítima, do mesmo Sacerdote e do mesmo Altar.

Assim, a palavra grega Eucaristia que se traduz habitualmente como ação de graças, poderia significar também a maior das graças, a tal ponto que a ressureição de um morto ou a cura de paralítico ou a multiplicação dos pães ou o caminhar sobre as águas que Cristo realizou em sua vida mortal, são apenas indícios de que Ele é capaz de fazer a Eucaristia, de renovar até sua volta sobre os altares do mundo a sua Paixão e tornar-nos participantes, contemporâneos, dela. Como afirmaram vários teólogos, todos os milagres de Cristo convergem para a Eucaristia, para que os Apóstolos vendo o poder de Cristo sobre a natureza das coisas (a água que se converte em vinho), sobre a matéria (a multiplicação dos pães), sobre seu Próprio Corpo (andando sobre o mar), não duvidassem de quando Ele dissesse sobre o pão: "Este é meu Corpo".

A Eucaristia é o refrão da vida católica. Todos os dias, todos os domingos, na vida, na morte, no casamento, na ordenação, na consagração das virgens... tudo, em tudo se repete essa única ação: a Páscoa do Senhor, a Sua Paixão e Morte.

Para nós a palavra Alleluia é praticamente um sinônimo da Páscoa de Cristo, tanto que no tempo de preparação para a Páscoa, não a dizemos para a cantar solenemente na Vigília Pascal.

Cada Missa concentra plenamente um Alleluia, porque louvamos ao Padre Eterno oferecendo-lhe o Sacrifício de Seu amantíssimo Filho pela graça do Espírito Santo.

Celebrando hoje a festa do Corpo de Cristo, a nossa mente se volta para esse "refrão" da nossa vida. É na Eucaristia que nos alegramos, que nos consolamos, que solidificamos nossas mais nobres decisões. O Santíssimo Sacramento, no qual está Deus em Pessoa, é o nosso tudo, a tal ponto que não temos (ou não deveríamos ter) qualquer outra necessidade. Solo Dios basta!

Com Santo Tomás na Sequência da Missa de hoje, podemos dizer à Igreja e pela Igreja a todos os homens e, em certo sentido, a toda a criação: "o quanto possas, o quanto ouses, nunca o louvarás como ele merece". 

Amen. Alleluia.

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