SER X PARECER

 

Meus prezados amigos,

Quando estamos diante da Sagrada Escritura existem duas coisas sumamente importantes: primeiro é a fidelidade ao texto original, segundo a compreensão desse texto.

A fidelidade ao texto original, a Santa Igreja garante pelo uso da Vulgata, a tradução dos textos hebraicos e gregos para o latim feita por S. Jerônimo, já a compreensão do texto, o que chamaríamos de exegese, é muito mais ampla, onde a Igreja, evidentemente, impõe limites que não impedem que vários santos interpretem de maneiras diferentes (obviamente nunca opostas) os textos da Sagrada Escritura.

É nesse sentido que gostaria de expor a vocês uma compreensão das tentações de Cristo que, creio, vem muito a calhar nos tempos atuais.

As tentações são um conflito entre ser e parecer.

Cristo é. O diabo quer que Cristo pareça.

"Se és Filho de Deus..."

Ora, Cristo não tem nada a provar, nem a Si mesmo, nem aos outros. Ele é o Filho Bem-Amado do Padre Eterno. Ele é, Ele sabe. Que sinta fome ou que esteja correndo riscos em nada diminuem a sua Filiação Divina, e não são necessários espetáculos quase circenses para que a sua Divindade se manifeste.

Mas o diabo tenta a Cristo exatamente nisso: "mostre".

Meus amigos, as coisas mais importantes da nossa vida, estão guardadas em nosso coração. Não as mostramos, não temos que mostrar. O amor de um casal de esposos por exemplo, não precisa de beijos ardentes ou declarações pitorescas o tempo inteiro, mas muitas vezes é no silêncio, na espera, nos gestos quase imperceptíveis que tomam vida.

O diabo parece querer meter Cristo numa vida dinâmica de rede social. Onde o parecer é mais importante que o ser. Nas redes sociais, casais mostram fotos super carinhosas, declarações de amor, beijos, abraços e no dia seguinte se separam. Ali havia o parecer, mas não havia o ser.

A pessoa coloca uma foto ou um vídeo rezando, entrando na Igreja, coloca no perfil uma imagem piedosa, tira foto do seu prato abstinente, do seu rosário... Mas qual a sua vida espiritual realmente?

Não digo que as pessoas o façam deliberadamente. Que sejam falsas. É simplesmente a tentação de querer parecer, sem se preocupar em ser.

É por sua determinada decisão de não dar nenhum espetáculo pessoal para o diabo que Cristo vence. Pode parecer incapaz, parvo, medroso. Não importa o que parece, importa o que é. O diabo sai vencido não porque Cristo o fulminou com um raio. Mas exatamente porque Cristo não o fulminou com um raio.

Muitos se perdem porque tendo acendidas em suas almas a chama da fé, antes de a alimentar, para que cresça e vire uma fogueira, a expõe aos ventos do mundo. O irmão fogo nos traz essa lição. Num primeiro momento, o vento parece ser seu inimigo, mas se o fogo está firme, se não é mais um palito de fósforo, mas uma fogueira vigorosa, o mesmo vento que antes parecia lutar contra ele, se torna seu aliado, fazendo espalhar-se ainda mais.

Assim, aquele que tem em seu coração acesa a chama da fé, precisa alimentar esse fogo. Rezar, estudar o catecismo, fazer penitência, ter vida sacramental, somente depois que tiver bem forte o "ser" é que talvez seja necessário "parecer". A perdição de muitos está exatamente na prática contrária.

Por fim, meus irmãos, quando sofremos esse tipo de tentações crescemos na nossa intimidade com Deus. A cada convite espetacular do diabo, nos adentramos ainda mais em Deus, que sabe o que somos. Quem se preocupa com aparência, fama, honra é o diabo. Adentrados em Deus, nada nos importa.


Comentários