MORTIFICAÇÃO

 

Meus prezados amigos,

Talvez o maior sofrimento que alguém poderia se impor seria fugir do sofrimento. Isso é impossível.

É claro que Deus ao criar Adão e Eva os preservou do sofrimento, seus corpos eram impassíveis, e ainda gozavam do dom da integridade. Porém, o pecado original colocou tudo a perder. E o sofrimento se tornou o grande companheiro da vida humana neste mundo que tão acertadamente chamamos na "Salve" como "vale de lágrimas".

Sobre todos os homens, queiram ou não, recaem sofrimentos, que podem, segundo a teologia espiritual, se converterem em "mortificações passivas". O sofrimento em si mesmo não é uma mortificação, ele só se torna uma quando é acolhido racionalmente, com amor e confiança, pelo fiel. Já escreveu um autor que a nossa tendência natural (retornemos ao estado original do homem em que não haveria sofrimento) é de repulsa para com o sofrimento, como que lhe "batemos a porta na cara".

Porém, essa atitude além de infantil é inútil. O que devemos fazer é acolher o sofrimento, deixá-lo entrar (entrará de qualquer modo...) e que o coloquemos "na sala" de nosso coração, prontos para ouvir as suas lições.

Eu sei que o que estou dizendo parece loucura e ainda mais é repulsivo.

Por isso, a Igreja ouvindo a voz do Senhor "se não fizerdes penitência, morrereis do mesmo modo"; "fazei penitência!", aconselha seus filhos a buscarem de bom grado e livremente sofrimentos que se imporão a si mesmos. É a mortificação ativa.

A mortificação ativa dobra o nosso orgulho (porque nos humilha perceber o quanto dependemos de coisas como alimento e conforto), exercita a nossa vontade (porque poderíamos deixar de fazer, mas resistimos), nos torna misericordiosos (porque experimentando a nossa fraqueza nos tornamos mais pacientes com as fraquezas alheias), fixa os nossos olhos no Paraíso (onde não haverá mais sofrimento) e nos dispõe a acolher melhor aquelas situações sobre as quais não temos controle, convertendo-as em mortificações passivas.

Desse modo, caros irmãos, como exorta o Apóstolo, nos tornamos "hóstias vivas" que se imolam a Deus.

Não se trata de masoquismo, mas de compreender que uma vez que Cristo abraçou o sofrimento dando-lhe o valor redentor, os cristãos também encontram no sofrimento um meio de se unirem a Cristo, e de unidos a Ele satisfazarem ao Eterno Pai por seus próprios pecados e pelos pecados de todos os homens.

E, honestamente falando, como se pode julgar estranho até mesmo o uso de um cilício ou um tempo de disciplinas, ou um dia de jejum quando estamos na sociedade das academias, dos crossfits, e dos jejuns intermitentes... "Quanto a nós, a coroa que buscamos é imperecível..." diz o Apóstolo.

Por fim, meus amigos, gostaria de recordar-lhes que mais do que um tempo de penitência, a Quaresma é um tempo em que aprofundamos a nossa vida de penitência, de mortificação. O erro de muitos fiéis é fazer penitência na quaresma e depois da Páscoa viverem como se tivessem sido concebidos sem pecado. Na quaresma fazemos mais penitências e, naturalmente, algumas delas nos acompanharão depois da Quaresma.


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