CINZAS

 

Meus prezados amigos,

Começamos hoje, com o rito da imposição das cinzas, o tempo da Quaresma.

Sabemos que a Quaresma é o tempo mais antigo da Liturgia Católica, tendo sua origem nos ritos de reconciliação dos que tinham sido admitidos à chamada "Ordem dos Penitentes". Esses ritos se davam entre a cerimônia de imposição das cinzas e a reconciliação que se dava na Quinta-feira Santa pela manhã. Estávamos num tempo em que o Sacramento da Confissão era administrado apenas uma única vez, e esses ritos estavam diretamente ligados à essa única vez.

A penitência e a confissão públicas, concluídas com um rito presidido pelo Bispo davam aos penitentes a única possibilidade de absolvição que teriam em suas vidas.

Mas, com o tempo, foi a Igreja percebendo que pecador, penitente não eram condições extraordinárias da natureza humana, mas condições habituais dessa mesma natureza. O homem que naturalmente é pecador, é chamado pela graça a se tornar penitente.

Desse modo, gradativamente a "ordem dos penitentes" foi sendo abolida, ou se tornando algo particular de certas famílias religiosas (como os franciscanos) e os ritos penitenciais foram se estendendo a todos os fiéis. Concomitantemente a isso, a confissão foi assumindo a sua forma atual de secreta e frequente.

Meus caros amigos, gostaria de repetir o que escrevi: o homem que naturalmente é um pecador, é chamado pela graça a ser um penitente. Naturalmente, pecador; sobrenaturalmente, penitente.

A penitência, porém, é compreendida num duplo aspecto: a conversão da alma e os castigos do corpo. As primeiras palavras da pregação de Nosso Senhor Jesus Cristo foram exatamente essas: "Fazei penitência!" que também se poderia traduzir como "Convertei-vos!", tanto em grego como em latim as duas palavras têm esse duplo sentido.

A decisão interior de mudança, não se realiza sem a atitude exterior de penitência.

É nisso que muitos se equivocam. Para esses a conversão é apenas uma ideia, um desejo, uma "boa disposição", mas que se não se realiza em sinais exteriores de oração, de castigo do corpo e de esmola, fica apenas como uma "boa ideia" que jamais se concretiza.

Todos somos egoístas, sensuais e acumuladores.

Num grau maior ou menor, de uma forma mais gritante ou mais discreta, todos somos.

Assim a penitência nos coloca no verdadeiro "eixo". 

Contra o egoísmo, vêm a oração: a descoberta de um Outro a quem tudo está submetido, inclusive nós. A um Outro de quem depende nossa vida e a que devemos amar e consagrar um tempo, ainda que custe diminuir o "nosso" tempo.

Contra a sensualidade (não me refiro apenas à dimensão sexual, mas a busca mais ampla de prazeres de qualquer espécie) entra a mortificação: abstinências e jejuns, privações voluntária e outros castigos físicos que nos infligimos para dar ao corpo a lição de que é alma que deve dominar sobre ele.

E contra o desejo de acumular (praticamente todo mundo tem "algo" demais - dinheiro, livros, esmaltes de unha...) entra a esmola, que faz que deixemos de acumular para dar.

Meus caros amigos, nesse tempo tão intenso que hoje se abre diante de nós, busquemos viver intensamente, como se fosse a última quaresma de nossas vidas, a última chance que o Senhor nos dá, até porque não temos como garantir que não é.

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