REINOS AO REINO
Tendo escolhido não transformar
pedras em pão, mas instituir a Santíssima Eucaristia;
Tendo escolhido não obrigar Deus
a agir em seu favor, mas obrigar-se a agir de acordo com a vontade do Pai.
Hoje meditaremos na terceira e
última tentação do Senhor.
O tentador, após duas tentativas
age como um viciado em jogo que no desespero já começa a oferecer o que não
possui: “Eu te darei tudo isso, todos os reinos da terra, se prostrado me
adorares!” Do Senhor é a terra e tudo o que ela encerra, diz o Espírito Santo,
só pertence ao demônio aquilo que há de ruim, isso sim, é obra dele e posse
dele.
Mas continuemos a perceber o
contraste da tentação: ainda que não fossem seus, satanás oferece a Jesus todos
os reinos da terra, mas quem é Jesus? Ele mesmo é o Reino de Deus. Oferecer
reinos ao Reino, realmente é muito desespero.
Jesus é o Reino de Deus que está
no meio de nós e dentro de nós, se estivermos na graça de Deus. E esse reino
deve expandir-se sobre todos os aspectos da vida humana e quando o reino
transcende um homem aí temos a Igreja.
Os evangelistas narram terremotos
e destruições quando o Senhor morre na Cruz. De certo modo, a Cruz provocou
essa devastação mundial, para que sobre os escombros de todos os reinos da
terra, se sobrepusesse o Reino de Deus que é a Igreja. E à medida em que esses
reinos estivessem apoiados na Igreja então um resplendor sem igual brilharia,
mesmo numa glória puramente humana. E se um reino se afastar da Santa Igreja,
ele cai, mas a Igreja fica de pé. Os cartuxos tem um lema: Stat crux, dum
volvitur orbis. Podemos dizer sem medo, como conclusão lógica da frase anterior:
Stat Ecclesia, dum volvitur orbis.
Foi virando às costas a todos os reinos
da Terra que Cristo pode receber do Pai o Império Universal. Quando nos
dispusemos a seguir Jesus, precisamos compreender que certas coisas são como sombras,
e nós muitas vezes parecemos criancinhas
correndo atrás da própria sombra sem jamais a alcançar, geralmente o que
desejamos parece fugir de nós.
Aqueles que desejam alegria,
satisfação, bem-estar não compreendem que só encontrarão isso quando amarem a
dor, o sofrimento e a penitência.
Assim fez o Senhor, desprezou
toda a glória terrestre e celeste, enquanto Criador quis assumir a natureza das
criaturas, de Senhor fez-se servo, de imortal fez-se mortal. Por que não quis a
glória, é coroado de glória, porque se fez servo, então é Senhor. Porque passou
pela morte agora é imortal é impassível.
Queres ser feliz? Pare de buscar
a felicidade. Deixai-a vir. Como veio a Jesus.
É dramático perceber que o desejo
de felicidade de uma pessoa geralmente é proporcional ao seu nível de
desolação. Quem se preocupa em ser feliz, geralmente nunca o é.
Por fim, pensemos um instante no
significado da palavra ressuscitar. Obviamente não era uma palavra comum, uma
vez que a própria ação de ressuscitar não é comum. Por isso, os verbos gregos
que são usados para ressuscitar são os mesmos verbos que se usam para levantar.
Assim sendo, encontramos três
ocasiões em que esse verbos, geralmente o verbo egeiron é usado: primeiro é o
levantar-se comum, digamos assim, como quando se diz que Maria Santíssima levantou-se
para servir Isabel. O simples ato de levantar-se, às vezes pode ser uma
ressurreição. Se, uma hipótese apenas, o ser humano sumisse da terra e
alienígenas viessem estudar como era a nossa vida, certamente teriam a
impressão de que a maioria dos seres humanos são paralíticos: controles
remotos, elevadores, carros automáticos, botão disso e daquilo... Evidente que
essas coisas não são ruins em si, mas quando nos parafusam em camas e sofás
tornando-nos incapazes de nos levantar para o mundo real, aí sim, necessitamos
nos levantar, precisamos ressuscitar.
Um segundo uso do verbo levantar
na Sagrada Escritura é revoltar-se, como no caso dos Macabeus: “Levantou-se
Judas etc...” Não quer dizer que estivesse sentado, mas quer dizer que não
aguentou mais. Nós muitas vezes dizemos não aguentar mais, mas somos incapazes
de nos revoltarmos. Fazemos de conta que estamos bravos com nossas misérias,
nossos pecados... mas brigamos de dia e fazemos as pazes à noite. Brincamos de
revolta, não nos revoltamos. Temos uma revoltinha que durará até o segundo ou
terceiro dia após a nossa confissão. Não temos uma revolta como de Elias ou de
Macabeus... É necessário revoltar-se. Precisamos dizer para nós mesmos: Acabou!
Chega! Você vai ver o que farei com você se fizer isso de novo! E para um homem
novo, atitudes novas. Ou caímos naquela ideia obviamente equivocada de querer que
tudo se faça novo, enquanto nós continuamos fazendo a mesma coisa...
Se Satanás tentou Nosso Senhor a
deitar-se – “se prostrado me adorares”. O Senhor nos ordena levantar-nos.
O Senhor hoje nos toma pela mão e
diz-nos: “Levanta-te: torna-te mais ágil. Não vês que o tempo passa? Quero
ressuscitar-te, portanto viva já ressuscitado. Levanta-te de tuas preguiças,
revolta-te contra esse mundo prevaricador que encontra abrigo até mesmo na
minha Igreja. Terás muito tempo para descansar, e uma eternidade de paz. Não
desejes isso agora. Agora, ressuscita, levanta-te, revolta-te, porque quero
precisar de ti. Não quero que te prostres, quero que te levantes, adoras-me
levantado, adoras-me lutando por mim, adoras-me pisando em ti mesmo, e ficando
de pé sobre teu ego, teus gostos, tuas idéias. Levanta-te. Se ficares de pé, eu
te darei tudo, pois tudo é meu. E só eu posso dizer isso.”
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