PINÁCULO E CONFIANÇA


Ontem ouvimos sobre como Nosso Senhor respondeu a tentação de transformar as pedras em pão, não só não o fez, como fez d’Ele mesmo, que é o “Verbo Humanado”, que é “toda Palavra que sai da boca de Deus” um alimento verdadeiro para as almas e os corpos dos seus fiéis, e como destruiu a desobediência do diabo contra Deus, tornando Deus obediente aos homens, descendo dos céus pelas palavras dos Sacerdotes no Santíssimo Sacramento.

Nessa sexta-feira Santa o Senhor renova admiravelmente aquela primeira - "Então Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança(...) e houve uma tarde e uma manhã, sexto dia. Convinha que fosse recriado numa sexta-feira aquele que fora criado justamente no sexto-dia. Mas como se deu essa redenção mais admirável que a própria criação?

Pensemos na segunda tentação: o diabo levou Jesus para o Pináculo do Templo, e, atrevendo-se a usar da Escritura, diz que o Senhor se jogue para que, como diz o Salmo 90, os Anjos venham segurar-lhe.

A recusa do Senhor a fazer tal coisa poderia parecer uma falta de confiança no Pai, mas Jesus responde naquele momento novamente com a Escritura: não tentarás o Senhor teu Deus. Ou seja, ninguém deve se expor a um perigo absolutamente desnecessário (para a alma ou para o corpo) e esperar que Deus providencie a solução do problema que nós inutilmente provocamos. O Senhor responde a tentação com a palavra de Deus e não se jogando do pináculo. Ele responde não fazendo nada.

Satanás nem sempre nos leva a nos colocarmos contra Deus, seu modus operandi mais comum é simplesmente despertar em nós a desconfiança de Deus: “É verdade que Deus vos proibiu de comer todos os frutos? Não, não morrereis. É que Ele sabe que se comerdes, sereis como Deus...” O pecado original da soberba é semeado no coração de Eva como desconfiança. “Quem me diz a verdade? Deus ou a serpente?”

Mas há uma outra resposta que o Senhor dá ao tentador. Uma resposta ao tentador e um ensinamento para nós. A confiança é mais necessária quanto menos é evidente o auxílio de Deus. Muitas vezes a nossa confiança se alimenta de graças, milagres, portentos... Mas a confiança deve alimentar-se de solidão, sofrimento e silêncio.

A nossa confiança no Senhor não é a ideia de que no final riremos de tudo, não é o pensamento positivo de que tudo vai dar certo, a nossa confiança, porque assim é a confiança de Jesus, é a certeza de que ainda que tudo dê errado, o Senhor estará conosco.

Quando vemos as coisas indo bem, tudo em seu lugar, melhor do que a encomenda, não precisamos de confiança.

Precisamos da confiança quando tudo de mal parece pôr-se de pé e querer nos esmagar e, precisamos ainda mais de confiança, se conseguirem nos esmagar. Podem esmagar-nos, mas a Deus ninguém esmaga. Os cristeros antes de serem fuzilados não tinham confiança de que as balas se transformariam em lindos botões de rosas, a sua confiança era unicamente de que Dios no se muere!

À tentação de pôr o Pai às suas ordens, enviando anjos que o segurassem, Jesus responde pondo-se às ordens do Pai e não permitindo que as multidões de anjos interviessem na Paixão, tal como disse a Pilatos agora há pouco: “os meus guardas lutariam para que não fosse entregue!”

À tentação de provocar, o Senhor responde com a postura de deixar-se conduzir. A mentalidade industrial, revolucionária penetrou mais do que imaginamos em nossa mente, e pensamos que produção e atividade são sinônimos. Não são. Podemos produzir o Reino de Deus sem fazer nada. Jesus salvou-nos com suas mãos e pés cravados numa cruz, salvou-nos não por algo que fizesse, mas por algo que fizeram com Ele, salvou-nos pela sua obediência.

Não são puras atividades que movem o Reino de Deus, e se houver alguma atividade ela antes foi precedida pela inércia do sofrimento, da oração, da contemplação. Sem isso, não somos luz, somos na melhor das hipóteses um foguete de ano novo ou uma estrela cadente.

Um paralítico como uma Beata Alexandrina de Balazar, unicamente por seus sofrimentos e orações, foi capaz de evitar que os horrores da guerra civil da Espanha fossem repetidos em Portugal! Um aleijado como Hermanus Contractus deixou-nos a Salve Regina!

É passando e repassando a implacável pedra do moinho sobre as azeitonas que elas nos fornecem o azeite para iluminar. Só quando somos espremidos que conseguimos alimentar em nós e nos outros a lâmpada da fé.

Não faltaram ao Senhor propostas de fazer alguma coisa. “joga-te daqui a baixo”, “desce da cruz e acreditaremos”, mas o Senhor quis simplesmente ficar ali, numa inércia salvadora, confiando no Pai que se calara, mas que Ele sabia que estava ali.

Era essa confiança que fez com que Nossa Senhora estivesse de pé. Ela enxergava a cruz ensanguentada, mas confiava, com aquela esperança que não decepciona, no sepulcro vazio. Ela via um rio de sangue, mas confiava num oceano de graças. Ela via o pecado dos homens, mas confiava na salvação que vêm de Deus.

Mãe, vosso sofrimento não foi menor porque confiáveis. Não há dor como a vossa, como disse o Espírito Santo. Mas também não há confiança como a vossa. Sois a Virgem fiel e a Mãe da Confiança. Vossa confiança curou a desconfiança de Eva. Mãe, a Igreja às vezes nos convida a pedir que a senhora partilhe conosco de vossas dores, mas nem sempre fazemos esse pedido de coração. Mas hoje, de coração, pedimos que partilhe conosco a vossa confiança. Que saibamos olhar além, mesmo que esse além seja o Além, a Eternidade, onde os sofrimentos do tempo presente nem merecem ser comparados com a glória que há de vir e na qual a Senhora já está. Mãe, quando receberdes hoje o Corpo sem vida do Vosso Filho, colocai-nos em Suas chagas. Se não for pedir muito, eu gostaria muito de ficar naquela do peito, porque se algo acontecer, estarei mais próximo para me esconder nesse coração que hoje está parado, mas amanhã baterá para nunca mais parar.


 

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