MEDITAÇÃO SOBRE A PAIXÃO DO SENHOR I

 


No Cântico dos Cânticos diz a esposa: "O meu amado é para mim um saquitel de mirra posto entre meus seios" (Ct 1, 13).

Todas as mães sabem que seus filhos vão morrer. Geralmente depois, bem depois delas. Mas a morte incerta de data, de modo, de circunstâncias não causa sofrimento. É bem verdade que a ideia da morte nos é muito mais aterrorizante do que a própria morte em si.

Mas, imaginai a mãe de um condenado.

Uma mãe para quem as sombras da morte se projetam lentamente sobre seu filho, e de uma condenação sem direito à apelação, ainda que o filho seja inocente. Uma condenação que - dor ainda mais avassaladora - será executada exatamente pelos irmãos do condenado, seus filhos também.

Imaginai o que passará no coração dessa mãe a cada visita, a cada dia mais próxima a hora da morte, imaginai a mãe que às vésperas da condenação passa pelos carrascos - seus filhos também - e os vê afiando os instrumentos que destruirão a vida de seu filho.
Daí temos uma pálida compreensão da Paixão de Maria.

Sim, se há uma Passio Domini, há dentro dela, uma Passio Dominae, ou Passio Matris. E é por ela que queremos começar nossa sequência de meditações sobre a Paixão do Senhor. 

Olhai para Maria, e discerni nela a perfeição no nível máximo que se pode conceber numa criatura. E sabei que quanto mais há perfeição, tanto mais a imperfeição fere. Assim, é por exemplo uma casa, onde uma coisa se põe fora de lugar. Se uma casa bela e arrumada, a imperfeição se torna ainda mais identificável e incômoda, mas numa casa suja e desordenada a coisa fora de lugar é só mais um caos dentro do caos.

Assim, as imperfeições dos homens doem no Coração de Maria mais do que em qualquer outro ser humano, uma vez que em sua delicadíssima e imaculada consciência ficam patentes não apenas a desordem causada pelos males, mas a sua própria maldade como um crime e uma revolta contra Deus.

Imaginais então, o que significaria para Maria Santíssima ver o pior pecado cometido sobre a terra: a morte de um Deus! E isso precedido por invejas, tormentos, traições, a crudelíssima flagelação, a coroação de espinhos e cada fato contido no mistério da paixão.

Em Maria podemos distinguir dois tipos de sofrimento: o da Mãe que assiste a condenação do Filho e a da mais pura das criaturas, a Mãe da Graça, que assiste as blasfêmias e os sacrilégios máximos perpetrados contra Deus Encarnado, Autor da Graça. E em sua alma santíssima a segunda era capaz de ferir mais do que a primeira.

Cada abraço que dava em Seu Divino Filho, desde o estábulo de Belém até a despedida após a última ceia, Nosso Senhor era para Nossa Senhora esse saquitel de mirra posto entre seus seios. Era impossível que Maria olhasse aquela carne de sua carne e osso de seus ossos, mesmo pequenino em Belém, e não enxergasse ali a sombra da cruz. E não reconhecesse que seu Jesus muito em breve seria o Homem das Dores, acostumado ao sofrimento, reduzido a um verme, do qual todos desviam a cara. Cada abraço de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, cada encontro, era para Maria infinitamente mais doloroso do que a visita de uma mãe a seu filho condenado. Ele a fazia sorver um pouco mais do seu cálice, Ele permitia que entrasse mais um pouco a espada que Simeão profetizara.

E Nosso Senhor sofria por ver o sofrimento de sua Mãe, mas sabia em sua divina sabedoria que Deus Padre pedia também d'Ela o sacrifício. Do mesmo modo, a Santíssima Virgem, sentindo no palato de sua alma o gosto de mirra tão amarga, engolia-a com vontade magnânima e tornava sua a vontade de Deus.

E assim, conformando a sua vontade à vontade de Deus, aquele secundum verbum tuum , dito no momento da Encarnação, ia crescendo em Maria ao ponto de que Ela também quisesse, porque Deus Padre queria, o Sacrifício de seu Filho. Será em Maria e unicamente em Maria que Cristo encontrará um apoio para a continuidade de seu Sacrifício até ao extremo.

Pedro e os outros Apóstolos amam a Cristo de seu modo e tentam convencer-lhe a não morrer.

Maria ama a Cristo do modo de Deus, Ama-o com o pensamento de Deus, ao contrário de Pedro. Ama-o como Ele quer ser amado. E cala.

Seu instinto de Mãe está dominado pela virtude da Religião e Ela com sua presença e seu silêncio, ou com palavras breves da Escritura, dá ao seu Filho o apoio para que seja vítima expiatória, e aquele saquitel de mirra transborda cada vez mais. O Coração de Maria se torna um saquitel de mirra. Nele não há lugar para mais nada que não fosse dor. Se o Corpo Crucificado do Senhor era, no dizer do Profeta, uma chaga de ponta a ponta, assim Maria não tinha mais um coração, mas uma chaga em seu peito, um saquitel de mirra.

O sofrimento de Maria foi tão atroz que não poderia uma simples criatura estar de pé. Ela está de pé porque é a Imaculada, mas também porque era a vontade do Padre Eterno que Ela se mantivesse ali, viva, oferecendo-O aqu'Ele que só Ela e Ele poderiam chamar de Filho. Aqu'Ele que só Ela e Ele sabiam quem realmente era.

Um saquitel de mirra.




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