CONFIANÇA

 

Não quero, de modo algum, criticar a Liturgia da Santa Igreja. 
Mas, não posso deixar de considerar o tempo do Natal razoavelmente curto e, talvez porque eu seja metódico em demasia, considerar o tempo do Natal um pouco desorganizado...
São muitas celebrações dentro do tempo do Natal, e, por não ter um ritmo semanal - como a Páscoa - às vezes as coisas ficam meio... confusas.
É claro que, na verdade, não é assim. E cada festa dentro do tempo do Natal e mesmo em sua oitava como Santo Estêvão, São João e os Santos Inocentes nos trazem grandes e profundos ensinamentos para nossa vida espiritual.
Mas é importante que em nossa meditação, em nossa contemplação, aproveitemos bem o tempo do Natal para considerarmos demoradamente todos os fatos que envolvem esse ciclo, que poderíamos definir desde o anúncio do nascimento de S. João Batista até o encontro do Menino Jesus aos 12 anos no Templo.
Hoje gostaria de me deter por um instante na Anunciação de Nossa Senhora, particularmente na sua atitude perante o Arcanjo S. Gabriel.
Geralmente se diz que o Padre Eterno enviou S. Gabriel para perguntar à Nossa Senhora se Ela aceitava ser a Mãe do Filho do Altíssimo. Porém, se olharmos com atenção, não há perguntas da parte do anjo, por isso a Igreja sempre chamou esse fato de Anunciação.
Mas também, a Santíssima Virgem em momento algum questiona o fato de ser a escolhida, questiona o modo de como se dará a concepção do Menino, uma vez que tinha feito voto de virgindade (e, por isso, se tornado a única mulher sobre a terra que abria mão da honra de ser, eventualmente, a mãe do Messias). Nossa Senhora não pergunta: "Eu? Mas por que a mim? Não terá outra melhor?" perguntas que fazemos geralmente mais movidos pelo orgulho do que por humildade, porque dão motivo para nossos interlocutores desfiarem a ladainha de nossas virtudes e capacidades.
Para Nossa Senhora está fora de cogitação questionar Deus.
Deus quer, portanto é o certo, é o melhor.
Esse é o nível de confiança de Maria Santíssima.
A sua vontade e, em certo sentido, o seu pensamento, se perdem no oceano sem fim que é a Santíssima Vontade de Deus e o seu Pensamento tão acima dos nossos.
Deus quer. Eu quero.
Esse é, em resumo, o modo de confiança de Maria: "Deus quer. Eu quero".
Assim Maria redime a desconfiança de Eva que incitada pelo inimigo do gênero humano se torna exatamente igual à desconfiança dele: "Deus quer. Por isso, eu não quero". Para o demônio ou mesmo para o homem caído na inimizade com Deus a vontade de Deus mesmo não importa, importa a oposição. É o "ser do contra" que move as ações daquele que se volta contra Deus. Os inimigos de Deus são-Lhe tão inimigos que seu prazer mais do que no pecado está no negar a Deus.
Mas existe o perigoso, o terrível, o morno caminho do meio. Esse inventando por nós. Em poucas palavras seria: Eu quero: que Deus queira. Analisando bem percebemos que na confiança absoluta de Maria e mesmo na revolução infernal Deus ainda ocupa o primeiro lugar. Mas o homem tíbio é aquele que destrona Deus, e se coloca em primeiro lugar. Para o tíbio, para o que escolhe a terceira via já não é a vontade de Deus que deve ser a nossa, mas a nossa que deve ser a d'Ele. Se dizem que a ordem dos fatores não altera o produto, apresento aqui, pelo menos uma exceção à essa regra.
Porque aquele que quer fazer a vontade de Deus primeiro olha para Deus, para sua bondade, beleza, sabedoria, santidade e a partir daí busca a vontade de Deus em sua vida. Mas o que quer fazer a sua vida pensa em si, só em si, e reza para ter "a sorte" de que Deus também queira a mesma coisa. E chamará a isso com o nome de confiança: "Eu confio, eu tenho fé: Deus vai fazer como eu quero!"
Como nem sempre isso acontece, o dito confiante oscila entre a confiança e o semi-ateísmo, duvidando ou de Deus mesmo, ou de sua Bondade, ou de sua Providência, ou de seu Amor quando as vontades se chocam.
É o caso em que a "fé" faz mal. 
Não a Fé, virtude teologal infusa em nossas almas etc..., mas o pensamento positivo que quase todo mundo confunde com a fé. Nessas horas, o "confiante" pensa: pois bem, se Deus abriu o Mar Vermelho, Ele bem poderia fazer meu ônibus chegar na hora. Ou, se Ele pode ressuscitar o filho da viúva de Naim, ele poderia agora tirar as pedrinhas que descobri que tenho na minha vesícula. E, no caso desses "milagres" não acontecerem comigo, a minha falsa fé faz o efeito contrário do que faria a verdadeira fé.
A verdadeira fé leva a "beijar a mão que nos fere", ou seja de silenciosamente nos recolhermos em Deus confiando num amor que, na nossa visão limitada, parece não existir, numa providência que, na nossa visão limitada, parece ter nos abandonado.
A "confiança" do falso confiante se transforma facilmente em decepção e amargura, e isso pelo simples fato de que nessa "confiança" é ele quem ocupa o primeiro lugar. É a sua vontade que deve ser a vontade de Deus...
Enquanto escrevo e talvez você enquanto lê, pode ter parecido que o falso confiante e o mimado são exatamente a mesma coisa. E peço desculpas por gastar tanto do seu tempo para dizer simplesmente que sim.
O mimado trata a Deus no mesmo segmento mental que trata os pais, o marido, a esposa, os amigos: "não fez o que eu quero, logo não gosta de mim". Não é à toa que S. Paulo chama-nos constantemente à maturidade da fé que é incrivelmente sinônimo de infância espiritual, de abandono em Deus, como um neném que aceita tudo que vêm da mãe: se ela me deu, é bom. Se ela quer, eu quero. Ainda que às vezes faça uma careta, ou reclame um pouquinho. 
Queridos amigos, peçamos nesses dias de Natal não apenas a confiança em Maria, mas sobretudo a confiança de Maria.

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