NOVÍSSIMOS 3

 

S. Francisco e a Irmã Morte 


Já contei isso antes, mas vale a pena repetir.

Soube que na Espanha existe uma praça chamada "praça do alívio", ela fica no caminho entre uma Igreja e um cemitério e, o costume era que, no cortejo de um sepultamento, daquela praça em diante só seguisse quem fosse da família do morto. Por isso, quem ficava ali, ficava aliviado..

Mas hoje, a Igreja, que é nossa Mãe, tirou essa praça do nosso caminho e nos fez seguir adiante. Nos fez olhar para a morte de frente, encará-la olhos nos olhos e descobrir que ela é nossa irmã, como tão maravilhosamente descobriu S. Francisco.

A morte já foi mais familiar.

Antigamente, as pessoas iam ficando velhinhas, fraquinhas... vinha o padre dava os sacramentos e "a pessoa ia para o céu", ali em casa, cercada pelo cônjuge, pelos filhos, netos, amigos. Ali mesmo já se fazia o velório, o corpo podia ainda seguir para a Igreja para a Missa Exequial e depois enterrava-se no Cemitério.

O mundo atual, capaz de esticar ao máximo a nossa vida, mas incapaz de nos dar uma razão para viver, foi camuflando a morte, as pessoas agora, em sua maioria, morrem nos hospitais, os familiares muitas vezes não podem estar presentes, os velórios são muitas vezes apenas uma espera para o enterro e os cemitérios muitas vezes também são disfarçados. Não se leva as crianças para não traumatizar, há os que não vão porque querem lembrar do morto quando estava vivo etc etc... e a morte vai ficando distante...

Tão distante que, a única coisa certa da nossa vida, acaba por parecer um erro, um fracasso científico.

E isso tem uma razão. A morte, muitas vezes, a irmã morte é a única capaz de mudar de verdade a nossa vida. Como coisas que nos pareciam grandes, importantes, fundamentais se tornaram um punhado de pó quando pensamos nelas lembrando que vamos morrer. E, ao contrário, como surgem em nossa vida novas prioridades quando recordamos que não viveremos para sempre e precisamos deixar um rastro de fé, esperança e amor no coração das pessoas com quem convivemos. Como a nossa vida se torna maior quando compreendemos com serenidade que vamos morrer, e que a morte será para nós a entrada na Vida, como disse Santa Teresinha.

Mas aprendemos a fugir da morte, a fazer de conta que ela não existe. 

Ou aprendemos a banalizar essa irmã tão importante como acontece em filmes (ou jogos) especialmente de terror ou de ação onde morre tanta gente (as vezes até a própria pessoa morre) que acabamos por não dar mais atenção a essa realidade fundamental da nossa vida.

Calamos a morte. 

Não me esqueço de um velório de uma senhora em que fui e o neto estava de fone de ouvido ouvindo música do lado de fora. Aquele rapaz era um retrato da humanidade moderna: "não quero ouvir o que a morte tem para me ensinar!"

Só que ela vai falar. 

Pensemos nesse dia de hoje. Há poucos anos hoje era um dia de recolhimento, os rádios, a TV respeitavam isso. Hoje é capaz de ter concurso de dançarinos de funk...

Mas ela vai falar. E quanto menos se quer ouvir a morte, tanto mais dor ela causa.

Hoje, ao recordarmos nossos irmãos falecidos especialmente oferecendo sufrágios (Santa Missa, orações, esmolas) e a indulgência plenária, somos convidados a esquecer um pouco de nós mesmos, de nossa dor e saudade e cuidar das almas do purgatório que por si mesmas nada podem fazer e que sofrem um fogo terrivelmente doloroso, mas purificador, que pode ser aliviado graças às nossas boas e piedosas ações especialmente nesse dia e dos próximos seis que virão.

Mas, rezando por aqueles que se foram, vamos fazer as pazes com a nossa própria morte. Não vamos pedir, e nem negar. Vamos aceitar que essa boa irmã nos visite quando, onde e como Deus assim ordenar. E que quando ela vier possamos estar preparados como o Pobre de Assis e com ele dizer: Bem vinda seja, Irmã Morte.

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