PROJETO

 

Não são poucas as vezes que Nosso Senhor ao falar de nosso chamado à corresponder à vontade de Deus, ou seja, de sermos santos, refere-se à necessidade de alguma organização, de um projeto.
Assim Ele fala do homem que precisa calcular para construir a torre, do rei que deve ver se consegue vencer com os soldados que tem, e outras imagens fáceis de compreender que a santidade supõe um projeto.
Mas... onde estaria esse projeto? Qual o caminho para a santidade?
Creio que a primeira leitura da Missa de hoje traça para nós um excelente itinerário. Vejamos uma parte dela: 
"sede bons uns para com os outros, sede compassivos; perdoai-vos mutuamente, como Deus vos perdoou por meio de Cristo. Sede imitadores de Deus, como filhos que ele ama. Vivei no amor, como Cristo nos amou e se entregou a si mesmo a Deus por nós, em oblação e sacrifício de suave odor. A devassidão, ou qualquer espécie de impureza ou cobiça sequer sejam mencionadas entre vós, como convém a santos. Nada de palavras grosseiras, insensatas ou obscenas, que são inconvenientes; dedicai-vos antes à ação de graças."
Vamos meditar um pouquinho sobre essas palavras: 
Sede bons uns para com os outros: todos nós buscamos ser bons. Acho difícil encontrar alguém que diga: "eu quero ser mal". Então como é possível que, desejando ser bons, acabemos magoando quem amamos. A causa disso está que não podemos só ser bons (do nosso jeito), mas devemos buscar ser bons para com o outro, ou seja, do jeito dele. Às vezes nos portamos como aquelas pessoas que dão a seus familiares presentes para si mesmo. Como o marido que deu para a esposa a assinatura de todos os jogos do Brasileirão... Quando convivemos com alguém precisamos descobrir, e isso não é tão difícil, como a pessoa gosta de ser amada, e amar do jeito dela.
É claro que o "jeito" da pessoa não está isento de limitações e mesmo pecados que caberão a nós combater, mas combater no amor. Nada na hora da raiva ajuda. Só o amor e a descoberta de que se é amado são capazes de gerar a conversão autêntica, ou no dizer de S. Francisco de Sales, uma colher de mel atrai mais moscas que um barril de vinagre...
Ser compassivo. Essa expressão para S. Bernardo é muito forte, porque é uma atribuição de Deus mesmo. S. Bernardo, analisando a vida íntima de Deus, a vida no interior da Trindade, afirma que Deus se basta a si mesmo e que nada pode retirar d'Ele a plenitude da alegria nem causar n'Ele o menor sofrimento. Porém, continua Bernardo, esse Deus que por sua Natureza é incapaz de padecer, é capaz de Se compadecer de nós. Ou seja, Deus não assiste nossas dores do céu como um expectador, mas os nossos sofrimentos O tocam de alguma maneiro, fazendo-o Deus compassivo.
Falta-nos muito ser compassivos, porque a nossa reação primeira diante do sofrimento, especialmente se não for nosso, é a negação. É dizer que vai passar, que tudo vai ficar bem, que o defunto finalmente descansou, que no final tudo vai dar certo, como se fôssemos Cinderelas perdidas num reino encantado. E seguimos nosso caminho.
Criamos uma casca diante do sofrimento alheio, por já nos julgarmos demasiado sofredores e somos incapazes de sentir em nós a dor do outro. Quando muito, fazemos uma competição de desgraças para tentar descobrir quem quebrou o recorde olímpico do sofrimento.... Compadecer-Se. Sofrer junto com o outro a sua própria dor. Não é difícil, o nosso problema não é a dificuldade de ser compassivo, mas o medo de sermos tocados por dores que não precisavam ser nossas.
Perdoai-vos (...) como Deus vos perdoou (...). Muita gente julga o perdão uma das exigências mais fortes do Evangelho. Mas o perdão é fruto de duas coisas: um grande amor pelo próximo e um amor menor por si mesmo. É o amor demasiado grande que temos por nós e demasiado pequeno que temos pelo próximo que torna difícil perdoar, porque tudo toma uma proporção muito grande, como se a ofensa feita a nós fosse mais grave que um sacrilégio... S. Agostinho fala dos dois amores que construíram duas cidades: o amor a Deus até o desprezo de si construiu a Cidade de Deus, o amor a si até o desprezo de Deus é o cimento que tem sido usado nas cidades que construímos. Quanto mais alto eu me ponho, tanto mais difícil é para mim perdoar.
Mas o Apóstolo vai mais além. Não fala só em perdoar, mas em perdoar como Deus. Tal como Nosso Senhor nos faz pedir no Pai nosso. O perdão de Deus é um perdão total, absoluto, pleno: "Não nos trata como exigem nossas faltas, nem guarda eternamente o seu rancor", diz o Salmista. Enquanto nós tratamos os outros de acordo com as suas faltas - ainda que "oficialmente" tenha sido perdoadas - não perdoamos como Deus, e é esse "como Deus", "como o vosso Pai celestial", "como o meu Pai celeste" o grande desafio do cristão. Não queremos ser como Deus para brincarmos de criação, mas precisamos ser como Deus para renovar tudo na força do perdão.
Sede imitadores de Deus como filhos que Ele ama. Meus amigos... como esquecemos essa maravilha: somos filhos de Deus. A cada um de nós, a cada dia, Deus Nosso Senhor nos diz como o Salmo II: "Tu és meu filho, eu hoje te gerei!" Se existe um orgulho bom é esse: sabermos que somos filhos de Deus. É muito interessante quando nasce uma criança que os familiares queiram achar no recém-nascido algo de si: "Tem os olhos do pai, a boca da mãe, as orelhas do tio, o nariz da vovó..." Assim também Deus deseja reconhecer-se em nós: "tem o meu perdão, a minha capacidade de amar, a minha prontidão para a entrega". Precisamos ser parecidos com Deus, e como isso não se dá de forma automática, é necessário buscar imitar. Recordar que nosso modelo é Nosso Senhor e só Ele! É triste ver que algumas pessoas ao descobrirem um ou outro defeito de um santo, se defendem dizendo: "Mas S. Fulano tinha esse defeito!" Sim, pode ser, mas se tinha, morreu lutando contra esse defeito, porque o seu modelo, tal como o nosso é Nosso Senhor.
Vivei no amor, como Cristo nos amou e se entregou a si mesmo a Deus por nós, em oblação e sacrifício de suave odor. Assim, quis o Espírito Santo que o amor e o sacrifício aparecessem juntos. O amor de Nosso Senhor por nós não foi uma simpatia ou um gostar, mas foi um amor verdadeiro que naturalmente leva à entrega do sacrifício. Quem não está disposto a ser sacrificado ainda não está pronto para amar. Mas esse sacrifício não é necessariamente pôr-se na frente do outro quando o bandido dá um tiro. Esse sacrifício na imensa maioria das vezes é calar. Outras vezes é cumprir a palavra dada, outras vezes é ajudar a enxugar a louça... Ficamos sonhando com o grande que muitas vezes nunca será necessário e deixamos passar o pequeno que tão bem faria a quem amamos. E assim, nossos pequenos ou grandes sacrifícios nunca estão sozinhos: unem-se ao de Cristo. Quem crê, quem ama, quem se sacrifica jamais vive na solidão porque está sempre unido a Deus.
A devassidão, ou qualquer espécie de impureza ou cobiça sequer sejam mencionadas entre vós, como convém a santos. Vivemos num mundo sujo. Emporcalhado. Já em 1610 Nossa Senhora do Bom Sucesso recordava que chegaria no século XX um momento em que nem nas crianças se teria mais a inocência. São roupas, são modas, são costumes, são redes sociais, programas de TV.... tudo parece ser uma imensa porta para a perdição como recordou Nosso Senhor. Aquele que quer ser puro deve fugir da sujeira, "sequer mencionar", recordou S. Paulo. Muitas vezes permitimos entre nós certas brincadeiras, certas vistas, comentários... que são como  que gotas de água nos alicerces de um edifício: vai desabar. Com a castidade ou é tudo ou nada. Não existe alguém meio casto... ou se é ou não. E o segredo é fugir das ocasiões, estar sempre alerta aos movimentos do nosso coração que em em tudo é enganador. E estar muito unidos a Deus e à Nossa Senhora.
Nada de palavras grosseiras, insensatas ou obscenas, que são inconvenientes. Nosso Senhor diz que a boca fala aquilo que o coração está cheio. A gentileza, a educação e a civilidade são mais do que a metade do caminho da santidade. O nosso problema não é que não somos santos. É que não somos humanos. Deixamos de ser homens e mulheres de verdade para sermos como criaturas toscas, feias, agressivas, grosseiras.
E, por fim, dedicai-vos antes à ação de graças. Ação de graças é agradecer. Dedicai-vos ao agradecimento. Ação de graças é uma palavra tão forte no cristianismo que o maior dos Sacramentos recebeu exatamente esse nome em grego: Eucaristia, ação de graças. Muitas vezes nossa oração gira em torno de pedidos de graças e pedidos de perdão. Os pedidos de graça geralmente são motivados pelas graças que julgamos faltar, e os pedidos de perdão são pelas vezes que não correspondemos à vontade de Deus. Pedir graças e pedir perdão agradam a Deus, mas é necessário que a ação de graças se faça também presente, porque quando agradecemos fazemos um duplo bem às nossas almas: primeiro reconhecemos tanto que recebemos de Deus, e ao reconhecer as graças concedidas ficamos felizes, deixamos de ter inveja, ficamos realmente agradecidos; segundo, dizemos a Deus que nada merecíamos. Só agradece aquele que sabe que recebeu sem merecer. O que se recebe por mérito é salário, é pagamento. O que se recebe sem merecer é graça, dom, presente.
Queridos amigos, mais um texto longo... desculpem. Mas escrevi rezando por cada um de vocês e peço que leiam rezando por mim, para que esses poucos versículos da primeira leitura de hoje, um dia, possam ser a descrição da nossa vida.







Comentários

  1. DEUS é bom a todo tempo,todo tempo Deus é bom,confiamos nele que ele tudo fará🙏🙏🙏

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