ABRAÇO

 

É muito bonito observar como as pessoas interagem com as imagens dos santos.

Algumas imagens são tão ricas em elementos artísticos que realmente, quando bem feitas, são um encantamento para os olhos. Penso, por exemplo, na imagem de um S. Jorge com seu ginete empinado sobre um dragão feroz derrotado em batalha... é impossível não se deter diante de uma imagem dessa.

Outras imagens são mais modestas, nem por isso, menos belas. E outras não são muito populares pois os Santos que representam não são tão conhecidos, ou dependem em grande parte dos talentos do escultor.

Assim, o Imperador D. Pedro I, em uma viagem à Salvador visitou a chamada "Caverna Dourada", a Igreja do Convento de S. Francisco, que por ser um tanto escura, como é comum no barroco, e toda revestida de ouro, recebeu esse "apelido". 

Passando pelos altares, Dom Pedro, que era um homem profundamente sensível às artes e às raízes de sua família, ficou extasiado diante da imagem de S. Pedro de Alcântara que lá se venera. S. Pedro de Alcântara é um dos patronos dos Bragança e, particularmente do próprio Dom Pedro.

E lá ficou Dom Pedro admirando aquele Santo abraçado à uma cruz tosca, retorcida, de madeira pobre, com o rosto macerado pelos sofrimentos e com os olhos elevados para o céu não como quem pede que eles cessem, mas como quem pede força para manter-se fiel durante os que virão.

Admirou-se tanto o Imperador que quis levá-la consigo. Alguma desculpa convincente deram os frades, porque o Imperador foi e a imagem ficou. Mas talvez, nos seus últimos momentos, cercado de atrozes sofrimentos, o jovem - não mais Imperador do Brasil Dom Pedro II - mas Rei de Portugal Dom Pedro IV, tivesse em sua mente o olhar tão sofrido de seu homônimo espanhol, olhar sofrido, mas ávido de sofrer ainda mais pela causa de Deus e de seu Reino, não um reino passageiro pelo qual sacrificou-se Dom Pedro, mas Reino Eterno, no qual agora está São Pedro de Alcântara.

E é realmente a representação da Bahia uma das mais fiéis à personalidade desse Santo. Mas fiel até do que aquela que se encontra logo na entrada da Basílica de S. Pedro de onde pende (ou pendia, talvez tenham retirado para não assustar...) de uma caveira um grosso cilício de metal. A imagem da Basílica Vaticana lembra a penitência, a da Bahia a personifica.

S. Pedro de Alcântara, abraçado à Cruz, ou apoiado nela, difícil de distinguir é mais que alguém que faz penitências... Se se pode dizer de S. Francisco que era "homem tornado oração", de S. Pedro de Alcântara se pode dizer, sem sombra de dúvida que era "homem tornado mortificação". Aliás, a grande obra de sua vida foi reunir, com licença do Papa, junto a si os franciscanos que consideravam a vida nos conventos do século XVI, já demasiada frouxa e até mesmo luxuosa, para voltarem à origem penitente e pobre da Ordem fundada por S. Francisco, e assim , surge na Ordem um ramo ainda mais austero, pobre e penitente: os Alcantarinos.

Amigo e praticamente conterrâneo de Santa Teresa de Ávila impulsionou-a a fazer algo semelhante no Carmelo: trazer as Ordens para o frescor do seu início e o fervor de sua vida de imolação a Deus.

Queridos amigos, uma vez alguém me perguntou: "Padre, qual a vocação mais exigente que existe?" E eu respondi: "A sua." Quando olhamos um monge cartuxo e um homem casado podemos ter a impressão de que ser cartuxo é mais exigente do que ser casado. Não sei se é.

Conheço muitos mosteiros que, na prática, se tornaram hotéis de solteirões... e conheço muitos pais dedicados, de famílias numerosas, que amam com fatos e são compreensivos ao extremo com suas esposas, e que lutam para ter uma vida de oração decente e dar uma formação cristã aos filhos. Qual é a vocação mais exigente?

Toda vocação é abraçar a cruz e erguer os olhos para o céu, dizendo: "Senhor, sei que vem mais. Ajuda-me!" E obteremos esse auxílio, porque Quem chamou é fiel.

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