POBRE

 Celebramos hoje a festa do grande S. Pio X, certamente o maior Papa do século XX e um dos maiores de toda a Igreja. Talvez você possa discordar dos elogios que acabei de fazer, mas de uma coisa não se pode discordar: foi o papa mais pobre que se têm notícia.

"Pobre???" Pergunta o ignorante ao ver a foto a acima. "Vejam quanto luxo, riqueza, conforto e poder!". "Graças a Deus - blasfema o estúpido - isso tudo já acabou!"

Como a ignorância é a mãe de uma multidão que só faz aumentar, creio que podemos hoje pensarmos na virtude da pobreza tendo como modelo esse terciário franciscano eleito ao trono de S. Pedro.

Giuseppe Sarto. José Costureiro, seria o significado de seu nome. Mas o nosso Santo brincava com seu sobrenome quando alguém dizia que ele era um santo por causa não apenas de suas heróicas virtudes mas também por seus prodigiosos milagres realizados em vida, ele respondia: "Não, não! Não sou santo, mas sarto!" Camponês, filho de camponeses, daqueles que são fortificados à base de polenta, toucinho e do trabalho braçal, o pequeno Giuseppe sente a chamada divina ao sacerdócio e, portanto, precisa pôr-se a estudar. Ia a pé e descalço (para não gastar o sapato) os quilômetros entre a casa e a escola, e sem deixar de ajudar no campo tanto quanto pudesse.

De uma memória vivíssima e grandiosa inteligência, além daquela praticidade própria dos homens simples, foi ordenado sacerdote e mandado para uma paróquia rural. Lá tinha o hábito de visitar todos os paroquianos pelo menos uma vez ao ano. Tinha um grande zelo pela liturgia e pela dignidade do culto divino, buscando dar sempre a Deus o melhor. Para si, o que se pudesse, para Deus, o melhor.

Foi feito então cônego de Mântua, e como parte dessa honraria eclesiástica devia usar uma cruz peitoral. Aceitou por obediência o título de cônego, mas nem sempre, na verdade quase nunca, usava a cruz, ao ponto de outro cônego dizer que se não queria usar a cruz não se fizesse cônego.

Poucos historiadores referem-se à esse fato da vida de S. Pio X, eu vejo nele uma chave do que é a pobreza de um padre, de um bispo e de um Papa, e penso que S. Pio X o compreendeu de modo semelhante, porque, depois dessa queixa passou a usar as insígnias de cônego.

Olhemos a foto acima.

O Papa está coberto de símbolos, paramentos, tesouros dos quais muitas vezes sequer se sabe com certeza qual a sua origem. Seu olhar está pesado, distante. Não erraríamos em pensar que deveria se sentir incomodado (não só o incômodo natural de tantas coisas em cima de si), mas ali dentro ainda estava o camponês José Costureiro. E esta foi a sua pobreza: matar o José Costureiro  com seus gostos para que a partir de então nascesse Pio X, Papa da Igreja Católica.

Imaginemos as mãos calejadas do jovem padre ao erguer pela primeira vez um cálice de ouro. Em sua casa talvez sequer tivessem talheres suficientes na chegada de visitas... mas isso não importa. O cálice de ouro não era para o outrora camponês descalço, mas para o Cristo Sacerdote unido à pessoa do José Costureiro, e agora, Sacerdote. Nada era para o homem, tudo era para o Sacerdote que é Cristo.

Assim a cruz e o anel dos cônegos não eram uma honra à sua pessoa, mas à Igreja, particularmente à diocese de que fazia parte, rejeitar isso era julgar como propriedade sua o que era da sua diocese. Ele não tinha esse direito.

Quando o sacerdote resolve "mostrar" a "sua" pobreza nos ornamentos sagrados, na verdade é a honra de Cristo que é mais uma vez espoliada. Pode ser para o padre um sacrifício real o uso de certos paramentos: capas, tecidos com fio de ouro, rendas... Mas NADA DISSO É DELE. Ao se comportar como se fosse seu o que é de Cristo, o padre (bispo ou papa) age como se o jumento do Domingo de Ramos começasse a balançar a cabeça e zurrar agradecendo as palmas que botavam "para ele" no caminho... Sim! Eram suas patas que tocavam as vestes e palmas, mas não eram para ele, mas para aqu'Ele que trazia em seu lombo.

Assim, às vezes, pode parecer que se exagere em alguma honra aos ministros de Cristo. Na verdade se considerados unicamente em si, na maior parte dos casos, não merecem honra alguma. Mas, considerados como o Cristo a quem representam, nenhuma honra lhes é suficiente.

A pobreza desse Papa coberto de ouro é a mais difícil de todas: "esvaziar-se de si mesmo", tal como se refere S. Paulo a Cristo na Carta aos Filipenses. E matar o próprio eu, para que fique só o de Cristo e da Igreja. Ali, naquele Papa, que sombra de glória pessoal se vê? Nenhuma!

E isso não se improvisa, não se finge.

Em S. Pio X só uma glória resplandece: a da Igreja!

Um fato confirma essa pobreza: certa vez S. Pio X encontrou sobre sua mesa um estojo e, dentro dele uma bela cruz de ouro com pedras preciosas. Julgou ser uma oferta de um fiel, talvez até pobre, que quisesse desse modo homenagear o Vigário de Cristo. E passou a usar a cruz.

Dias depois chegou um boleto (sim! eles já existiam naquele tempo...) com um valor bem caro. Era da loja que tinha mandado para o Papa a cruz, caso o Papa gostasse, comprasse. O Papa imediatamente retirou a cruz e mandou devolver à loja, não havia necessidade de nenhuma cruz, aceitaria um presente pela devoção que ele significava, mas comprar uma cruz nova estava fora de cogitação, já havia cruzes suficientes no Vaticano.

Isso é pobreza.

Imaginem por exemplo que por não querer usar as cruzes já existentes o Papa mandasse fazer novas. Estava criando necessidades e, no final das contas, gastando dinheiro sem necessidade.

É como um Pio IX que chamava os pobres de Roma a tomar sopa com ele e, tendo colheres de prata na mesa, o próprio Papa tomava a sopa apenas com um pão preto.

Essa mesma pobreza o levou a combater o grande mal do modernismo que é um compêndio de todas as heresias, com um vigor tal que certa vez foi comparado ao do Arcanjo que com espada flamejante guardava o Édem.

S. Pio X compreendeu que o soldado que entra em batalha com medo de morrer é o primeiro a morrer. Que só vence numa guerra aquele que estiver disposto a perder a vida. E assim ele se lançou. Não esperou que o modernismo invadisse a Igreja, como Pai, pastor da Igreja, adiantou-Se ao lobo para salvar o rebanho. Aliás, costumava dizer que "o pastor que não mata o lobo, trai o rebanho".

Fez chover condenações, excomunhões, interditos sobre todos aqueles que ensinavam o modernismo, que, em resumo, faz duas mudanças radicais na vida da Igreja: primeiro rejeita a Revelação para dar lugar à "experiência", e destrona Deus para pôr no lugar o homem. De modo que não importa se Deus nos revelou que tal coisa é certa e outra coisa é errada, isso não existe... existe o como eu me sinto diante das coisas, se me sinto bem, são boas, se não gosto, logo não são boas. E tudo na Igreja existe para o homem, a liturgia, a doutrina, a moral, tudo existe em função do homem e para agradá-lo. Ou seja, o modernismo reduz a humanidade à uma idade mental de 4 anos. E isso, lamentavelmente, está mais forte do que nunca. Penso que atualmente quase todos os católicos são modernistas sem terem conta disso. Infelizmente foram formados nesse erro...

S. Pio X obrigava que todo sacerdote assinasse um "juramento anti-modernista", para que pregasse somente a verdade da fé que recebemos do Senhor e da qual a Igreja é a fiel depositária.

Infelizmente os Papas anteriores relaxaram o que determinou S. Pio X e... bom... é só ver.

Se alguém pensasse que S. Pio X fosse um Papa temível, dizemos: ao contrário! As crianças o amavam. E ele as amava. Buscava conhecer os filhos pequenos dos funcionários e embaixadores do Vaticano e, conversando com seus pais, buscava que logo fizessem a primeira comunhão, sendo ele mesmo muitas vezes a ministrar uma pequena catequese e dar-lhes pela primeira vez Jesus Sacramentado. 

Quando ele misteriosamente morreu, o povo simples chorava a morte de um pai. Todos sabiam de sua bondade, de seu rigor nas coisas da fé que, no fundo era amor pelo povo simples que poderia ser facilmente enganado. Quanto mais se busca o rigor no ensino da fé, da moral e da liturgia tanto mais se mostra amor pelos pobres de Deus que precisam saber de forma simples e concisa a verdade!

Sua fama de santidade era grandíssima. Entre os romanos não faltavam os que tendo a oportunidade de assistir sua missa, juravam vê-lo estar na hora da elevação mais alto que o normal e, ao olharem para seus pés, os virem elevados alguns centímetros da terra! 

Assim, apesar de uma grande oposição de muitos dos que foram punidos por ele e depois conseguiram retornar aos seus poderes, e, para o mal da Igreja tiveram tanta influência na teologia, cerca de 40 anos após sua morte era elevado à glória da santidade.

Na canonização estavam seus sobrinhos, quando era Papa alguém sugeriu que desse a seus irmãos ou sobrinhos algum título ou cargo importante, porque eram muito pobres. E S. Pio X respondeu que deviam estar felizes se, sendo parentes de um Papa, não estivessem morrendo de fome!

Em S. Pio X, filho de S. Francisco, vemos essa virtude da pobreza. Que é diferente do pauperismo, da aparência externa de pobreza, mas de um interior riquíssimo de si mesmo, de suas ideias, de seu gosto. Vemos não a pobreza social aceita ou combatida, mas a pobreza espiritual buscada e cativada. Faltam pastores pobres. Pobres de verdade. Que amem ser pobres, que amem não ter. Fico triste em ver padres que ganham de seus fiéis tvs, relógios misturados com celular (sei lá como chama isso!), bebidas caras... Padres que tem quarto na casa dos ricos, mas não tem caneca na casa dos pobres. Padres que gritam por justiça social, mas não passam sem seu queijo no café da manhã...

Peçamos a S. Pio X que nossos sacerdotes amem a santa pobreza e encontrem nela a "bella donna" que S. Francisco encontrou.



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