JOÃO

Conta-se que quando S. Zacarias percebeu que S. Izabel estava para dar à luz, acendeu uma fogueira para que servisse de sinal aos amigos e vizinhos que o menino estava para nascer. Ontem ao cair da tarde, peguei uns gravetos e fiz uma mini fogueira. Abençoei o fogo, com a fórmula própria da fogueira de S. João,  e diante dele rezei as vésperas. Embora tentasse fazer com que coração e voz concordassem, e por mais que tenha acendido uma fogueira e não um balão, uma música não saía da minha cabeça: 

O balão vai subindo
Vem caindo a garoa
O céu é tão lindo
A noite é tão boa
São João! São João
Acende a fogueira
Do meu coração

Num dado momento, chegando às preces, resolvi fazer dessa música a minha oração. E compreendi que devia pedir a S. João que realmente acendesse uma fogueira em meu coração. Mas que fogueira seria essa?
Bem, olhando para a admirável figura dessa criança hoje nascida penso que três serão os materiais dessa fogueira.
Primeiro a intemperança, a resistência em ser verdadeiramente um penitente. João, nascido sem o pecado original, penitenciou-se em todos os aspectos possíveis. Abriu mão do conforto das vestes, cobrindo-se de peles. Rejeitou a segurança de uma casa, vivendo no deserto. Deixou de lado os afetos, vivendo como celibatário. Desprezou até mesmo os prazeres da comida, vivendo do que encontrasse no deserto: gafanhotos e mel. Em que mais poderia penitenciar-se o maior dentre os nascidos de mulher? 
E nós?
Certamente necessitamos por várias razões, boas razões, de tudo o que João prescindiu. Mas são coisas de que nós nos servimos ou que nós servimos?
Os prazeres, as posses e mesmo os amores que temos são vividos na justa medida? Com temperança? Geralmente não. E porque não nos controlamos no que é lícito e necessário, caímos naquilo que não é certo.
São João, São João, acende a fogueira no meu coração!
Segundo a soberba, a insistência em não reconhecermos e não amarmos o "nosso lugar". A soberba nos leva a olhar o outro como um usurpador, como alguém que com menos méritos que nós ocupa o nosso lugar. A soberba é uma imaturidade arraigada na alma, que muitas vezes carregamos por toda a vida. É o querer tudo, menos o que é realmente nosso.
Todos consideravam João como o Messias. Mas, perguntado se o era, respondeu que não. Disse ser voz que clama e servo indigno de desatar as correias das sandálias. Se dissesse sim, todos concordariam, seja por Nosso Senhor não ter ainda iniciado a sua missão, seja por ser naquele momento mais famoso que Cristo. Mas João amava o seu lugar, e tal como a voz cessa ao ser pronunciada a palavra, ao ver o Cristo, ele percebe que já está na hora de diminuir.
João era tão humilde e consciente de seu lugar que só batiza a Cristo por obediência, e relutando por reconhecer ali a inversão de papéis que a Providência fizera.
E nós?
A maioria dos seres humanos divide-se em dois grupos: os que ainda não perceberam que existe o outro, e os que consideram o outro um inimigo natural. E isso é fruto da soberba. Quando menosprezamos o outro, o consideramos apenas naquilo que de bem pode nos dar ou quando nos pomos em guerra julgando que tudo o que é dos outros deveria ser nosso por mérito e direito, nos tornamos pessoas amargas, tristes... insuportáveis. João dizia palavras duras, mas todo o povo o tinha em alta conta. Ele não era insuportável porque sabia seu lugar e o amava.
São João, São João, acende a fogueira no meu coração!
Por fim, João era verdadeiro. Vivia, antes que Nosso Senhor o ensinasse, aquele "sim, sim; não, não" característico dos verdadeiros seguidores daquele único que pode dizer de Si mesmo: "Eu sou (..) a Verdade". Para João a verdade é filha da caridade. E não dizer a verdade é um crime de desamor. Ao ver Herodes amigado com a esposa de seu irmão, João não sente raiva. O ama. Quer a sua salvação. E por isso lhe admoesta sendo mais claro do que a água do rio em que estava: "Não te é lícito!"
Nós vivemos o tempo do pensamento único.
Todo mundo é livre pra pensar o que quiser! Desde que pense que o aborto é um direito da mulher, que cada um "escolhe" o seu "gênero", e tudo o mais que os ditadores do relativismo que moram naquela caixa chamada TV nos doutrinam a cada dia. E isso nos leva a negar a verdade ou a dizer de uma forma tão fraca, tão amedrontada, tão "educada" que nem o demônio conseguiria fazer com que um pecado ficasse tão bem dito...
Queremos agradar. Queremos ser amados. Isso não é ruim, é próprio de nós. Mas desejar isso mais do que nossa própria salvação e a salvação dos outros é pecado. E nos leva a viver na mentira. Ou ainda no que é pior que a mentira, que é a meia verdade. Ou seja, diante de um pecador que nega-se a mudar de vida, dizemos que Deus é bom. Meia-verdade! Sim, Deus é bom! Tão bom que nos dá todos os meios para nos salvarmos e aqueles que rejeitarem esses meios e viverem em pecado sem se arrepender irão para o inferno: esta é a verdade inteira.
São João, São João, acende a fogueira no meu coração.
Por fim, peço a intercessão do menino João pelos nossos meninos ou meninas. Nossa Senhora do Bom Sucesso profetizava no século XVI à Santa Mariana de Jesus Torres que no século XX (que não são apenas os 100 anos do século, mas um tempo mais amplo que ainda vivemos) não se encontraria pureza nem mais nas crianças. E é isso que assistimos. 
As crianças desde pequenas são postas em contato com músicas, roupas e costumes que roubam-lhes a inocência. Há pais que filmam seus filhos ou suas filhas dançando funk e acham isso uma coisa boa, orgulham-se disso!
Já ensinava S. Paulo: "a glória deles está no que é vergonhoso!"
Para esses pais, para esses que põem seus filhos diante de filmes, desenhos, novelas. Para os que acham pitoresco que seus filhos tenham sua sexualidade aflorada sem sequer terem corpo para isso, gostaria de terminar com um fato.
O Cura de Ars, S. João Maria Batista Vianney, era muito devoto de S. João, seu padroeiro. Quando chegou a Ars enfrentou um grande desafio: os bailes. Neles a dança levava à indecência e à imoralidade. Por isso, lutou contra eles de todos os modos: pregou contra os bailes de seu púlpito, lançou condenações sobre os que iam, negava-lhes a comunhão ou a absolvição e, como era um homem prático, também oferecia dinheiro ao músico para que ao invés de tocar, fosse embora, fazendo com que o baile não acontecesse. 
Sofreu muitas perseguições: uma jovem infeliz que ficara grávida num desses bailes foi apontada como amante do Pároco que seria o pai da criança, enfim... Mas venceu. Deus sempre vence. E  passados muitos anos, quando ampliou a Igreja de Ars fez um altar em sua honra. Nele mandou escrever: "Sua cabeça foi o preço de uma dança". Era o último golpe que o Santo Pároco dava naquilo que mais roubava as almas confiadas à ele para lançá-las no inferno.
Lembrem-se pais, tios, avós... hoje talvez de forma mais simples celebrarão S. João. Colocareis músicas, e às vezes não só aquelas inocentes de festa caipira. Olhai o que fareis vossos filhos fazerem. E lembrai-vos que a cabeça daquele que hoje celebrais - às vezes de forma blasfema - foi o preço de uma dança.

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