ESCRAVO

Imagem de S. Luís na Basílica de S. Pedro. Um detalhe muito significativo é que o demônio, vencido por S. Luís, têm nas garras o Tratado da verdadeira Devoção que tentara manter escondido por mais de um século.
Estamos no séc. XVIII, mas bem antes da Revolução Francesa, um clima religioso, mas nem sempre reto domina a França. O que ameaçava a retidão dessa religiosidade eram certas heresias como o jansenismo que criava para com Deus um sentimento mais de pânico do que amor. Havia, num contexto geral, uma devoção à Virgem Maria, mas, na maior parte das vezes, como obra de piedade muito particular de algumas almas.
Um sacerdote peregrino, trazendo seu cajado, volta ao seu antigo seminário de S. Sulpício, onde tivera a alegria de ser bibliotecário, o que lhe favoreceu o acesso à muitas obras, especialmente referentes à Maria Santíssima. O reitor atual fora seu colega, cansado, o nosso peregrino pede abrigo. Num primeiro momento lhe é concedido, mas depois, por ordens superiores, o reitor pede que o peregrino vá embora, porque, sua presença ali poderia ser uma má influência para os seminaristas.
Esse peregrino é S. Luís Maria Grignon, nascido em Montfort sur Meu nos decênios finais do século XVII. 
Desde antes de sua ordenação sacerdotal, sente um profundo desejo de ser missionário, o que não esconde de seus superiores. Todavia, são lhe dados encargos bem diferentes, os quais busca realizar com perfeição, mas sem diminuir a inquietude de seu coração. Alguns colegas sacerdotes, desde cedo, também não compreendem a sua devoção à Santíssima Virgem, julgando-a exagerada, e o consideram adepto da heresia jansenista...
Diante desse quadro, S. Luís Maria vai a pé à Roma onde é recebido pelo Papa Clemente XI. Ali, pede ao Papa que o destine para as missões estrangeiras, mas o Papa, percebendo a santidade e o ardor daquele que estava diante de si, rejeita esse pedido, recordando que a França mesma necessitava de pregadores como ele, e lhe faz "Missionário Apostólico".
O que não lhe retirou as dificuldades.
Era costume em França nessa época a construção de "Calvários", ou seja de imagens representando a cena da morte do Senhor, na véspera da bênção de um que ele iria construir, chega uma ordem do Bispo, em nome do Rei, proibindo-lhe a construção. Diante da decepção sua e do povo, ele afirmou que, naquele caso, Deus os convidava a construir o Calvário em seus próprios corações.
Sua ação apostólica foi tão incisiva que a região onde ele mais pregou, a Vendée, resistiu bravamente à Revolução Francesa, sendo a última região francesa, onde com o martírio de várias pessoas, os revolucionários implantaram seu regime pecaminoso.
A teologia de S. Luís Maria de Montfort poderia ser compendiada em apenas duas palavras: "Dieu seul", Deus só, ou Deus somente, com uma ênfase muito especial no fato da Encarnação do Verbo de Deus. Ou seja, se o jansenismo apresentava um Deus um tanto distante e severo, o nosso Santo o apresenta como "a Sabedoria Encarnada", o Deus próximo de nós, feito homem.
Desde o Evangelho de S. João, Nosso Senhor é chamado de Verbo, o que na liturgia grega, que veio influenciar a latina, se compreendia no sentido de "Sofia", ou seja Sabedoria. Santo Tomás, compreende que o conhecimento, a sabedoria, que o Pai têm de Si mesmo é o Filho, ou seja, Deus conhecendo-se a si mesmo, como num espelho, vê a sua imagem, e a ama. Essa imagem, esse conhecimento que Deus Pai tem de si mesmo é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, que se encarnou para nossa salvação, portanto, Jesus é a Sabedoria Encarnada.
Essa ênfase no mistério da encarnação aponta naturalmente para a grandeza d'Aquela criatura por meio da qual a Sabedoria se fez carne, Maria. Toda devoção imensa de S. Luís Maria à Nossa Senhora se deve ao fato de que Deus mesmo a prepara como obra prima de tudo o que foi criado e a escolhe para se dar a partir dela a vinda de Cristo. 
O que leva S. Luís Maria a compreender que se Nosso Senhor nos vem por Maria, o seu Reino também nos virá por Ela, ou seja, através do Reino d'Ela que será implantado pelos "apóstolos dos últimos tempos".
Nosso Santo, então, escreve um livro - sabendo por Revelação Divina que o demônio o tentaria esconder a todo o custo: O Tratado da Verdadeira Devoção à Nossa Senhora. De fato, esse livro ficou oculto misteriosamente por mais de 130 anos, quando finalmente seu manuscrito foi achado "por acaso" (providencialmente) no meio de outras obras.
Nele o Santo analisa primeiro as falsas devoções à Nossa Senhora (e como é atual essa análise!), e depois caminha para a verdadeira devoção que será a Consagração Total à Sabedoria Encarnada pelas mãos de Maria Santíssima. Através dela o fiel abre mão de tudo, seu corpo, sua vontade, seus méritos e os coloca nas mãos de Maria. Ela através dessa oferta, os une a Si mesma, e as apresenta a Cristo que reconhece ali, não apenas uma oferta de nós cheios de pecados, mas um dom mesmo de Sua Mãe, a cheia de graça.
O Santo dá um exemplo muito claro: Ele fala de um pobre camponês que colhe uma maçã de seu pomar. Ele ao ver passar a Rainha, entrega-lhe a maçã para que ela oferte ao Rei. A Rainha recebe a maça, a lava, a coloca numa bandeja de prata, e a entrega ao Rei. Assim, ofertamos todo o nosso ser a Maria, ela ajuda-nos a sermos cada vez mais parecidos com Cristo (nos lava), coloca a nossa oferta na bandeja de prata de seus méritos e graças infinitos e os apresenta a Jesus.
Assim, Maria é apresentada como a grande medianeira: Jesus nos vêm por Ela e por Ela nós vamos a Jesus.
Como sinal dessa oferta de si mesmo na qualidade de escravo, S. Luís aconselha o uso de pequenas cadeias, recordando que muitas pessoas santas e virtuosas do passado já o haviam feito. Recordava que essas cadeias jamais poderiam ser como um adorno, um enfeite, mas como um sinal mesmo de que eram escravas de Cristo, por Maria.
Enfim, querido amigo, acho que você pode perceber o quanto essa espiritualidade me cativa e me anima a escrever mais do que o costume... Mas vou parar aqui.
Se o que escrevi lhe der o desejo de ler ou reler o Tratado e de se consagrar à Maria segundo o método que ele apresenta, meu escrito terá valido alguma coisa.
Até!



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