AS PESSOAS DA SEMANA SANTA VI




SEXTA-FEIRA SANTA: PILATOS

“Não encontro crime algum nesse homem”.
Quantas vezes Pilatos repete essa frase? Pilatos poderia ter muitas dúvidas e ser mais supersticioso do que religioso, mas tinha uma certeza, o Profeta da Galiléia que tinha diante de si era inocente.
Galiléia...
Sabe quando você está esperando para saber se foi aprovado ou não? E descobre que sim.
Deve ter sido mais ou menos essa sensação de 40 toneladas tiradas de suas costas que Pilatos sentiu quando os judeus disseram: “Desde a Galiléia, onde começou...”
Nessa palavra, agora quase mágica, Pilatos encontra o que mais desejava: a fuga.
“Esse homem é galileu?”
E os judeus perceberam que falaram demais.
“Levai-O a Herodes!”
A essa altura a única coisa que Pilatos queria era ter um modo de não ser ele a condenar Jesus, o que lhe daria alguma tranquilidade na consciência e um pouco de paz em casa, uma vez que sua própria mulher implorara pela vida daquele Jesus, chamado o Cristo.
Pilatos já O havia interrogado.
Sim, Ele se dizia Rei. Mas de um Reino que não era desse mundo. Então para Pilatos já estava resolvido. Se o Reino não é desse mundo, e o reino de Roma só queria conquistar esse mundo, Jesus não era uma ameaça.
Mas continuavam as ameaças, as acusações...
Até que apareceu a palavra inesperada que trouxe suma alegria ao procurador romano: Galiléia.
Mas não adiantou.
Se com Pilatos Jesus diz alguma coisa, a Herodes sequer dirige-lhe a palavra.
Aliás foi Herodes que calou a Voz da Verdade degolando João Batista. Aquele que matara por causa de uma dança a “Voz” não merecia ouvir a “Palavra”.
E O considera um louco. E manda-o de volta a Pilatos.
Talvez a amizade que se faz entre os dois seja porque pela primeira vez concordaram numa coisa: Jesus é inocente.
Ah... Pilatos. Como te desesperastes ao saber que também Herodes não foi capaz de condenar aquele que não querias condenar. Agora é contigo. Não há outra fuga. Procura. Pensa. Anda pra cá, anda pra lá. Examina. Inocente. Culpado de quê? Talvez a idéia de Herodes seja boa, diga que Ele é só um louco...
Mas não é um julgamento normal.
É um julgamento cuja sentença já foi determinada na noite anterior. E aqueles que já decretaram a sentença não descansarão enquanto não a repitas.
"Castigo!"
Mas é inocente... Porém um castigo grave poderá mitigar a ânsia de sangue e morte que de longe emana daqueles judeus.
"Flagelai-o."
E levam Jesus para o pátio onde havia uma coluna de pouco menos de um metro. Arrancam a túnica e O prendem de frente para a coluna.
Varas. Um, dois, três... alguém contava, dois batiam.
Cansaram-se.
Mas Jesus resiste, se caiu, levanta-se. A resistência d’Ele não causa comoção entre os soldados, não reconhecem n’Ele uma força que vai além das forças humanas. Ao contrário, sentem-se fracos, os demais riem deles porque não foram capazes de dobrar aquele cedro do Líbano que era o Verbo de Deus humanado.
Raiva, ódio.
Pensas que és mais forte do que nós...
"Flagrum!"
"Este... Não aquele: que nas pontas das tiras de couro tem pregos, ossos e ganchos."
E recomeçam... contam...
E perdem a conta quando começam a ver as carnes do Senhor que voam por todo o pátio. Seu sangue, em rios.
Uma ou outra de suas costelas aparecem...
"Aguentas, agora?"
"Por que não ficas de pé?"
Enquanto isso, Pilatos continua tentando encontrar um modo de libertar aquele justo que já estaria morto se não houvesse uma vontade incomensurável de sofrer ainda mais e por ser Ele, não uma criatura, a decidir a hora em que iria para o Pai.
Mas o rancor dos soldados continua. Viram na resistência de Cristo um deboche à sua capacidade física. Essas cenas não eram secretas, todos podiam ver. Os judeus repetiam: "Rei! Dizes que és Rei..." Essas palavras inspiraram ainda mais a crueldade dos soldados.
"Ora se és Rei, precisamos de uma coroa..."
E pegam uns chumaços de espinhos, que eram usados para alimentar as fogueiras nas noites frias, alguns de mais de quinze centímetros, tecem um diadema com eles e com os que restaram cobrem a cabeça do Senhor, pondo por cima, fincando na altura da testa o diadema.
Uma capa velha, um tecido sujo, púrpura, sobre seus ombros. Uma cana em suas mãos.
E dobram seus joelhos: “Ave, Rex Iudeorum”, dizem na sua língua. E tiram a cana das mãos do Senhor para que o diadema e o capacete de espinhos penetre mais, fira mais, doa mais.
Pilatos chama.
E sem esconder o espanto com o que vê, o apresenta a multidão.
Os judeus não perderam tempo, alguns lamentando-se de não poder assistir o “espetáculo” da flagelação foram para o meio do povo que a essa altura estava ali em massa: uma mentira, uma calúnia e para os mais resistentes talvez umas moedinhas e já estava ensaiado o grito a ser dado.
"Crucifica."
Pilatos apresenta Barrabás, assassino.
E Jesus, fonte da vida.
"Barrabás."
"Crucifica."
"Mas é o vosso Rei?"
"Outro rei não temos, senão César."
"Se o soltas não és amigo de César."
E voltamos ao início de tudo...
Há trinta e três anos, o outro Herodes teve medo de perder seu trono para o Rei nascido. E tenta matá-l'O. Agora querem fazer de Jesus uma ameaça para o César e, por conseqüência, para Pilatos.
Pilatos cede.
Não importa que seja Filho de Deus, que tenha anjos a seu serviço, que seja a Verdade...
Quando se sente ameaçado por Jesus, Pilatos o entrega.
Não foi Jesus quem o ameaçou, foram outros. Porque Jesus agora só calava.
Mas, ainda calado, Jesus era uma ameça.
Lava as mãos com água, na esperança de limpar-se, enquanto por dentro estava cheio de podridão.
E conosco é diferente?
Quantas vezes Jesus se torna para nós uma ameaça. Porque compreendemos que o seu seguimento exigirá que deixemos os nossos reinos para entrarmos no Reino d’Ele.
É essa talvez a hora mais crucial do homem que se encontra com Cristo. Agarrar-se ao seu reino transitório, ou ingressar no Reino Eterno de Cristo.
E por mais que o bom senso nos diga o contrário, a nossa atitude não costuma ser a segunda.
Agarramo-nos aos nossos reinos, onde somos reizinhos, onde encontramos o poder, o prazer e as posses.
E Cristo?
Bem...
Sou inocente!
Eu não o mato. Mas também não o resguardo da fúria de seus inimigos.
Sei que Ele é a Vida, o Caminho e a Verdade. Mas prefiro a minha vida, estou muito cansado para qualquer caminho e a verdade, bem... cada um tem a sua, não é mesmo?
Queridos amigos, o que é a nossa atitude individual muitas vezes, tornou-se também uma atitude mundial.
O mundo morre de sede estando a meio metro da Fonte.
O mundo deseja paz, harmonia, segurança e vida.
Mas não deseja Cristo.
Porque teme que Cristo lhe tire o que no fundo realmente deseja: poder, prazer, dinheiro.
É bonito dizer que se deseja coisas altas, quando, na verdade, se apetece com a lavagem dos porcos.
Hoje mais do que nunca, precisamos proclamar o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Regnare Christum volumus! Queremos que Cristo reine!
Mas não reine na sacristia de nossas Igrejas. Reine no país, verdadeiramente. Reine em todas as instâncias do poder.
“Nenhuma autoridade teria sobre mim se não te fosse dada do alto...”
Os homens recebem o poder de Deus e usam desse mesmo poder para O expulsar da sociedade.
Não há sobre a face da terra um homem que consiga descrever um país justo e honesto para todos se este não estiver fundamento na Lei de Cristo. Todo o resto é mentira, um ser híbrido, um ente de razão como nos tem demonstrado a História.
Pobre Pilatos... preferistes ser amigo de César.
Quando Cristo não deixou momento algum de oferecer-te a Sua amizade.
Mas, no fundo, eu te entendo Pilatos. Porque também eu preferi, muitas vezes a amizade de César, temendo aquilo que a amizade com Cristo poderia me tirar...
Mas o que de bom Cristo me tiraria... nada.
Tal como o antigo Herodes, Pilatos, hoje foste tu, que temendo por um reino da terra, decretastes a morte d’Aquele que tronos distribui nos céus. A diferença foi que Herodes não conseguiu, mas tu conseguiste. Tu deste a licença para a morte da Vida.
Teu nome estará no Credo da Santa Igreja para que ninguém se olvide de que: ou Cristo, ou Cristo. E não caiam no erro que tu caíste de tentares conciliar o pecado com a Santidade, o ódio com o Amor, a mentira com a Verdade, o medo com a Força, a morte com a Vida.

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