SE

E se...
Com o passar dos anos passei a ter horror a essa expressão que geralmente usamos para estragar o que está bom ou para piorar o que já é ruim.
E se...
Lembro quando era criança, junto com meus colegas Aristóteles e Epicuro, de um professor de história que dizia: "O 'se' não existe!". Ele dizia isso porque alguns colegas diziam: "Mas e se Napoleão não tivesse sido imperador"; "Se a Primeira Guerra não tivesse acontecido"; "Se Constantinopla não fosse arrasada"... E ele dizia que o "se" não existe. O que existe é o fato, o ocorrido, o evento.
No Santo Evangelho de hoje, S. Marta recebe Nosso Senhor com essa palavra: "Se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido!". Aliás há um contraste constante no Evangelho de hoje entre tudo o que há de ruim: doença, morte, fedor, sepulcro, rocha pesada... e a palavra que Jesus repete algumas vezes: glória.
Para Jesus a doença servirá para a glória.
A morte de Lázaro mostrará a glória.
Se Marta tiver fé, verá a glória.
Se o sepulcro for aberto, acontecerá a glória...
"Senhor, se tivesses estado aqui"... E o Senhor estremece interiormente, porque aqueles a quem tanto amava não foram capazes de compreender que Ele estava presente.
O "se" incapaz de perceber a presença do Senhor também no sofrimento cegou as duas irmãs que só sabem falar de morte quando o Senhor só lhes fala de glória.
Para Jesus glória não é saúde, é fidelidade.
Glória não é cura, mas perseverança.
Glória não é riqueza, mas pobreza vivida com alegria e partilha e com os irmãos.
Marta e Maria caem num erro no qual quase sempre, ou melhor, sempre, nós caímos: se Jesus está conosco, tudo está bem; mas se as coisas não vão bem, é porque Ele não está conosco.
Quantas vezes não é esse o nosso raciocínio?
Pensamos que a presença de Jesus nos blindará de todo mal, e que com Ele por perto estamos seguros.
Sim, de certo modo.
Tão seguros quanto os mártires.
Tão preservados de todo sofrimento como Maria.
Para Jesus não existe condições, não existem "ses". Ele está conosco!
E o fato de que uma ou outra coisa, ou quase toda a nossa existência seja um desastre (pelo menos a nossos olhos) não significa que Ele não está ao nosso lado.
Não existe um Cristo ausente!
Não existe um Cristo que não se importe e que não esteja a cada instante ao nosso lado. E é a sua mesmíssima mão que nos cura ou que nos conduz ao paraíso.
Cristo está conosco!
Admiro um tipo de arte moderna que vi em algumas igrejas. Há uma cruz. Geralmente de ferro. E a silhueta do Cristo está cortada da cruz, de modo que vendo a ausência, percebemos a presença. Ou seja, considerando as partes vazias percebemos a imagem do Crucificado.
É esse o nosso Jesus.
Por isso Santo Agostinho podia exclamar: "Senhor, tua ausência, na verdade, é presença". 
Deus ao revelar seu nome a Moisés, não disse: "Eu sou quem seria"; ou levando em consideração o fato de que em algumas línguas (especialmente as bíblicas) o verbo ser também poder ser entendido como estar, "Eu sou quem estaria..." Mas, o nome mesmo de Deus é "Eu sou quem sou"; "Eu sou quem estou", ou simplesmente: "Eu estou".
Queridos amigos, nosso Deus é essencialmente presença.
Nem sempre, é verdade uma presença sensível, e muito menos uma presença mágica para satisfazer os nossos desejos ainda que nobres e santos.
Até mesmo S. Paulo quando quis que Deus fizesse a sua vontade retirando-lhe aquele aguilhão da carne, ouviu de Deus: "Te é suficiente a minha graça", e o que é a graça de Deus? A sua presença em nossas almas.
Jesus nunca impõe condições, Ele está.
Ele não é o Deus de "se", mas o Deus de um "sim" incondicional para estar a nosso lado.
Por isso o pecado é tão grave e tão feio, porque pecamos na frente de Deus, e nem assim Ele vai embora de perto de nós. Nós o expulsamos e Ele continua a nosso lado. Porque Ele não estará conosco "se" formos bonzinhos... Está sempre.
Oh, bom Jesus, nesse tempo de tua paixão, arranca-nos dos nossos sepulcros nos quais nós mesmos nos fomos enterrando. Muda a nossa mentalidade tão paganizada que faz com que pensemos que nas horas amargas o Senhor nos deixou.
Não!
Senhor, ajuda-nos a descobrir nessas horas de ausência a tua presença que jamais se aparta de nós. Tu não tendes nojo do nosso cheiro ruim, de carne e alma apodrecidas, tu não temes as nossas sepulturas. Faz hoje, Senhor, ouvir em nosso coração a tua voz, chamando-nos pelo nome e dizendo: "Vem para fora". Amém.



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