LOTERIA

Joguei na loteria.
Antes, é claro, consultei alguns moralistas e dentre eles dois jesuítas.
Metade dos moralistas que consultei me disseram que não era pecado jogar, e me disseram que também eles jogavam. A outra metade disse que era pecado e que por isso não jogavam. Já o primeiro jesuíta disse que talvez sim. E outro disse que talvez não.
Então joguei.
E como continuo a escrever nesse blog, você pode deduzir que não ganhei.
Mas fiquei pensando. E se a Páscoa fosse uma loteria?
Bem, se a Páscoa fosse uma loteria, significaria que só depois que eu amasse realmente em sua perda alguém que perdeu, podendo ganhar (jogou fora de propósito o bilhete, imagine!) é que eu me tornaria capaz de ganhar todos os prêmios acumulados desde o início de todas as loterias.
Está confuso?
Tudo bem, é que você tem assistido muitos programas infantis nesse tempo de quarentena e isso nos confunde um pouco mesmo.
Da loteria da vida, ninguém sai vencedor.
Um poeta já disse que a vida é um combate impossível do qual ninguém sai vivo.
Mas houve um que podia vencer, houve um que tinha o bilhete premiado, mas Ele não quis ganhar.
E também perdeu. Ele perdeu. Ele perdeu. Ele perdeu.
Precisamos tomar consciência disso: Ele perdeu.
O mistério pascal de Cristo traz duas realidades: uma treva tão escura e uma luz tão luminosa que nós naturalmente olhamos para a luz, às vezes ao ponto de esquecer as trevas.
O mistério pascal de Cristo se desenvolve diante dos nossos olhos como o enredo de um filme cujo fim já sabemos e por isso nos tornamos como que imunes àquelas cenas mais duras, por sabermos que o mocinho vence no final.
Cristo perdeu.
E é essa perda a sua vitória.
É indo livremente ao encontro da morte, da qual todos fugimos, e deixando-Se matar por ela; é fazendo dessa morte a razão de sua Vida, que Ele vence.
No antigo rito romano começamos amanhã o tempo da paixão. As imagens são veladas, mesmo os crucifixos. A Igreja quer centrar a nossa atenção e incitar a nossa imaginação em Cristo crucificado. No Cristo que perde.
E quando nós acolhemos essa perda. E mais! Amamos essa perda. E mais! Nos gloriamos nessa perda, é que ela, essa mesma perda, se torna vitória.
As nossas perdas doem tanto, nos enfraquecem tanto, nos revoltam tanto, porque esquecemos que Jesus perdeu. Que Jesus quis perder.
Olhemos detidamente com os olhos da nossa alma para o Cristo crucificado, especialmente a partir desses dias. Detenhamo-nos em cada chaga física ou moral que feriu nosso Divino Salvador. Bebamos com Ele do seu cálice até o fim. Para que o seu mistério pascal se torne não apenas um conjunto de fatos recordados, mas realidades realmente vividos no quarto fechado do nosso coração.
E então, recebemos o prêmio. Ganhamos e ganhamos tudo!
Ganhamos mais do que Adão! Mais do que um paraíso terrestre, ganhamos um paraíso celeste que já desfrutamos nessa terra, o Coração aberto de Cristo, que aberto na Cruz, aberto ficou mesmo depois de sua Ressurreição, qual gema preciosa que devemos desejar, qual mansão maravilhosa em que, desde aqui já podemos morar.

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