EU

O Concílio Vaticano II propôs que o povo fiel tivesse, através da Liturgia, maior contato com a Palavra de Deus. A Reforma Litúrgica posterior criou os ciclos semanais dos Anos Pares e Ímpares e os três ciclos dominicais dedicados a S. Mateus, S. Marcos e S. Lucas, sendo S. João lido em determinados momentos mais próprios, como Natal, Páscoa etc...
Na Quaresma, sempre o I Domingo traz as tentações no deserto e o II Domingo traz a Transfiguração. No Ciclo A, S. Mateus cede lugar a S. João e escutam-se os Evangelhos que eram lidos desde a Antiguidade para fazer a preparação próxima dos catecúmenos e penitentes para a Páscoa.
Desse modo ouvimos hoje o Evangelho da Samaritana. 
Nele, encontramos muitíssimos elementos para nossa reflexão.
O Senhor está cansado.
A antiga seqüência dos mortos trazia esse pedido ao Senhor: que não seja em vão o vosso cansaço! Qual cansaço? O cansaço de ter vindo me salvar! O Senhor cansou-se. Deus que é incansável, ao assumir nossa humanidade, assume também os nossos cansaços. Para o Senhor não é problema que nos cansemos, uma vez que também Ele cansou-se; o problema é quando buscamos o descanso fora, longe d'Ele.
A mulher que chega ao meio-dia. 
Os samaritanos não eram famosos por sua piedade ou santidade de vida... Mas talvez essa mulher tivesse se excedido em seus pecados, ao ponto de preferir sofrer o sol do meio dia, do que a companhia julgadora das outras pessoas.
O Senhor que pede.
Assim sempre age Jesus. Ele sempre se apresenta a nós como se tivesse necessidade de nós, como se nós fôssemos os importantes. Se Moisés ferindo a pedra fez jorrar água, Nosso Senhor poderia inundar toda a Samaria, mas pede. Pede como quem precisa de nós.
A mulher, como nós, acha que tem algo a mais que Jesus. Ela têm o balde. Jesus não têm. Ela pode tirar água, Jesus não pode.
Mas onde que Jesus pediu água?
Jesus pediu que ela lhe desse de beber. Não pediu água.
A sede que atormenta o Senhor naquela hora, o atormentará também na cruz: "Tenho sede!". E dão-lhe vinagre, quando pedia almas. A sede de Jesus era a alma daquela mulher, não a água do poço. A água do poço, se o Senhor quisesse viria até Ele; mas aquela mulher, a sua alma, ela só viria a Jesus por sua vontade, seu arbítrio.
Jesus era o marido que ela tinha agora, mas que não era dela, porque ela ainda não o tinha acolhido no coração. O Senhor é o esposo de todas as almas, mas só as almas que buscam agradar-Lhe são suas esposas.
Jesus então convence aquela mulher que há uma outra água, Jesus diz que há algo que ela deseja, mais do que água, mais do que maridos, e que o seu desejo era aqu'Ele que falava com ela: "Sou eu que falo contigo!"
Essas palavras caíram na alma da mulher como um raio capaz de matar a antiga samaritana e fazer nascer uma nova. Quando se deixa convencer, quando descobre que o seu maior anelo era aquele que falava com ela, o balde fica esquecido. E ela, sem mais o calor do meio dia, e sem mais a sede que a levou até ali, descobre a dupla sede cristã.
Todo cristão tem duas sedes: uma é a de Deus, a outra é de almas.
Somos contagiados pela sede do Senhor, sede de almas, sede de conquistar almas para Deus.
E vai ela, anunciar na cidade. Dar o seu testemunho que moverá também os seus concidadãos a irem ao encontro daquele que "falou tudo o que eu fiz".
O Senhor prudente.
Os discípulos ao chegarem espantam-se de ver o Senhor sozinho com uma mulher. Espantam-se porque essa não era a atitude habitual do Senhor, o mais casto de todos os homens. Manter certa distância (com ou sem coronavírus!) mais ajuda do que atrapalha no apostolado. A proximidade demasiada pode fazer com que o evangelizador busque o evangelizado e vice-versa, quando ambos deviam buscar o Senhor.
Enfim, queridos amigos, nesse tempo de Quaresma as nossas reflexões não têm sido tão frequentes, porque é tempo de silenciar. E silenciar tudo.
É momento de nos pormos diante do Senhor e dizer apenas: Estou aqui contigo. Chega um momento em que tanto temos a pedir e tanto a agradecer que preferimos calar e amar. Que vivamos isso nesse tempo favorável.


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