PODER

Quando você pensa em poder, o que lhe vêm à mente?
E numa mentalidade eclesial, o que vêm?
A verdade é que dificilmente encontramos uma relação direta entre poder e amor. Aliás, geralmente no pensamento e, ainda mais na prática, essas duas realidades são divergentes.
Apesar de todos as instruções dadas por Jesus, poder e amor, poder e serviço, poder e diminuir-se, parece que ainda não se tornaram sinônimos, a não ser em eloquentes discursos vazios de atitudes.
S. Gregório Magno é o primeiro a escrever uma biografia de S. Bento, na qual mencionará a existência de sua irmã, Escolástica. No mesmo capítulo em que ele a menciona, narrará a sua morte. Não é tanto o que se conhece de sua vida, e S. Gregório refere-se apenas a um fato, que certamente serve para definir toda a sua existência.
Gregório fala de um encontro (que viria a ser último) entre Bento e Escolástica, que também abraçara a vida monástica. Esse encontro dá-se numa pequeno espaço que ficava entre os mosteiros onde os dois viviam. Ao chegar a noite, Bento sabendo que deveria ser o primeiro a cumprir o que escrevera aos demais monges, resolve despedir-se de sua irmã e retornar ao mosteiro.
Ela pede que ele fique.
Ele nega, por causa da observância dos preceitos monásticos.
Ela, que estava sentada à mesa, cruza as mãos sobre ela e inclina a cabeça sobre as mãos cruzadas.
Levanta depois de um tempo sua cabeça, e precipita-se uma grande tempestade.
"Que Deus todo-poderoso te perdoe, irmã! Que fizeste?", disse Bento.
"Eis que te pedi, e não me quisestes ouvir; pedi, então ao Senhor, e Ele ouviu-me. Agora, pois, se podes, sai, deixa-me e volta para o mosteiro." Disse Escolástica.
E S. Gregório diz uma frase extremamente enternecedora: "Plus potuit, quae amplius amavit": Mais pode, aquela que mais amou.
Mais pode, aquela que mais amou.
Quanto nos custa compreender como sinônimo: exousía - ágape; imperium/ potentia - charitas; poder - amor.
E como isso, na nossa realidade eclesial choca, confunde, escandaliza.
Mais pode, aquela que mais amou.
Diante de Deus, o desejo de obedecer à regra de Bento, era menos potente que o desejo de continuar louvando a Deus com o irmão, de Escolástica. E Deus interveio.
Mas nem sempre Deus intervém.
Porque se, cada vez que o poder fosse corrompido (e quando o poder é absoluto, o é também a corrupção), Deus interviesse, Ele "não teria descanso".
E não penso tanto no mundo, mas na Igreja, que deveria ser sal e luz para o mundo, a começar por isso.
Mas houve o contrário, os homens da Igreja se revestiram de um poder que visa dar segurança e estabilidade à Igreja. Quando, na verdade, Jesus nunca ligou o poder à manutenção da Igreja. Jesus edifica a Igreja sobre a fé de Pedro, não na sua capacidade de articulação. Para Jesus, o poder é amor concretizado em serviço. A subsistência da Igreja ao longo dos séculos é problema d'Ele, é Ele Pessoalmente que cuida disso, se deixarem...
Hoje, diante desse mundo que poder temos? O que conseguimos?
O poder da Igreja manifestado em indumentárias, títulos, amizades com os governantes mundanos, ou viraram piada, ou viraram vergonha.
Podemos pouco, porque amamos pouco, justamente na ânsia de ter mais poder.
Mais pode, aquela que mais amou.
Podemos pouco porque queremos manter o que não é nossa responsabilidade, e amamos pouco porque estamos ocupados demais articulando relações adúlteras da Igreja com os poderes que corrompem o valor do Evangelho.
A verdadeira relação da Igreja com os poderes mundanos já foi vivida: o martírio; não apenas no sentido estrito do derramamento de sangue, mas no testemunho de serviço, comunhão e amor.
Precisamos hoje ter a coragem de ver onde a Igreja converteu o mundo e onde foi o mundo que converteu a Igreja.
E compreendermos pela intercessão de S. Bento e de S. Escolástica que quanto mais se ama, mais se pode.





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