CARISMA


Hoje, indo para um compromisso, passei por um padre vestido com sua batina. Um amigo que estava a meu lado no carro disse: "Esse aí nasceu para ser padre!". E de fato, pelo que sei é um bom padre aquele rapaz.
Ao ouvir essa frase do meu amigo pensei na velha tensão existente na Igreja entre o carisma e a hierarquia. 
Carisma, são os dons concedidos por Deus para a sua Igreja, concretamente naquela comunidade, ou mesmo em benefício da Igreja inteira. Porém nem sempre há o fundamental complemento entra essas duas realidades. Porque, com o passar dos séculos a hierarquia se sobrepôs sobre o carisma.
Pensemos nas gerações sub-apostólicas, nelas, as comunidades inteiras eram capazes de reconhecer os carismas e de distribuí-los para o bem da comunidade, dentre os carismas se reconheciam os carismas de liderança, através de dons espirituais e qualidades humanas reconhecidas no fiel.
E assim a Igreja se manteve durante séculos. Se tornaram lendárias as aclamações para presbiterado e episcopado de um Agostinho ou de um Ambrósio.
O advento do monaquismo, primeiro na forma eremítica e sobretudo nas organizações cenobíticas as comunidades monásticas mantiveram o costume (nessa altura já em decadência) de que a comunidade reconhecesse em um membro "o dom da paternidade", numa simbiose mística de que se o Abade "fazia" a comunidade, também era a comunidade que "fazia" o Abade.
Com o passar dos séculos porém, o sacerdócio nem sempre estará ligado à paternidade, mas à outras questões, como administrativas, jurídicas, que, em si, não são más, mas acabaram por criar a idéia do "fazer carreira", e o ministério foi deixando o sentido de serviço para se tornar uma "promoção".
Sempre houve "carismáticos" na vida da Igreja. A maioria deles está nos altares. Como não reconhecer o carisma servidor de um Francisco, o carisma paterno de um Dom Bosco? Eram os homens certos, no local certo, na hora certa: carismáticos.
Mas nessa altura, isso era exceção, não mais a regra.
E é, mais ou menos, como estamos ainda hoje.
Lamento perceber que é raro reconhecer nos bispos e padres de hoje "o dom da paternidade".
São, muitas vezes, pessoas boas, mas o povo ao vê-los não consegue perceber que "nasceram para isso", mas que simplesmente estão ali, alguém os pôs ali.
E quando se pensa nesse alguém, costuma-se falar de Deus, que foi Ele quem pôs. Quando, na verdade, muitas vezes, aquele caminho vivido foi marcado justamente pelo que não agrada a Deus. A posição daquela pessoa, não é "vontade"de Deus, mas "permissão" d'Ele. Apelar à obediência onde não há caridade, é firmar uma ditadura.
A solução para isso, é...
Não sei.
Sei que questionar já começa a ser solução.
E, enquanto ela não chega, rezo para que mais vezes se diga nesse mundo: "Esse aí, nasceu para ser padre!"

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