AINDA

No Evangelho de ontem, S. Marcos disse que Jesus deu um suspiro profundo, por causa do atrevimento dos escribas e mestres da Lei que pediam d'Ele um sinal, como se, até então, Jesus ainda não tivesse operado inúmeros milagres. E Jesus diz que não. Essa atitude de Jesus para com aqueles que se opunham a Ele era por saber que tinham o coração endurecido e fechado para o seu amor. Por mais milagres que vissem, não creriam, ou diriam que a fonte do poder de Jesus era o demônio.
Jesus sabe que para quem crê nenhum milagre é necessário, e que, para quem não crê nenhum milagre é suficiente.
Hoje, a paciência do Senhor é novamente testada, agora pelos seus discípulos.
Jesus fala do fermento dos fariseus e de Herodes, ou seja, o modo de agir e pensar deles que pode exercer sobre os discípulos certa influência, e misturar-se com o que recebem de bom do Senhor, e estragar tudo. Pensemos numa massa de pão, belíssima, perfumada, saborosa, perfeita, mas que recebe um fermento podre, em pouca quantidade, mas podre. E ela cresce, mas cresce podre.
Assim também a comunidade dos discípulos, feita para ser pão sem mistura, como recorda S. Paulo, tem a tentação de querer crescer não mais pela pureza da massa, mas pelo fermento dos fariseus e de Herodes, ou seja, da mundanidade.
E a massa cresce, e a Igreja cresce, mas cresce podre.
Penso em tantas pastorais e movimentos da Igreja que crescem com esse fermento podre, podendo aplicar-se a essas pessoas o que Jesus disse aos fariseus: "Vós percorreis o céu e a terra para encontrar alguém para juntar-se a vós, e quando conseguis, o transformais em alguém sete vezes pior do que vós". Precisamos reconhecer profeticamente que muitas estruturas eclesiais se tornaram grandes, mas por um fermento podre.
Muitas pessoas eram mais livres, mais simples e, por isso, mais santas, antes de entrarem nessas massas.
Bento XVI dizia isso de outro modo: as estruturas da Igreja, feitas para nos elevar, acabam por nos aprisionar e nos tirar do serviço do Senhor. E assim, as coisas supostamente de Deus, nos afastam de Deus.
Queridos amigos, é preciso reconhecer antes de tudo a transitoriedade de tudo que não é essencial na Igreja. Uma pastoral pode acabar, um movimento pode acabar, uma estrutura, mesmo, quem sabe a estrutura paroquial, em tese podem acabar. E acabam não por falência, acabam porque foram importantes num tempo, e no outro não são mais. Foram suscitadas pelo Espírito Santo para um tempo, para um conjunto estrutural, que, de repente, não serve para o tempo atual. E a obstinada preservação daquilo que todos já percebemos que não dá mais frutos, impede que surjam no Jardim da Igreja as novas árvores que o Espírito plantou, ou então aqueles galhos secos, velhos e podres se tornam prisão para as novas viçosas árvores, impedindo a sua existência ou os seus crescimentos: "vieram os espinhos e sufocaram a semente".
Uma coisa é certa: quando precisamos nos esforçar demais para que algo não acabe, é porque ali não existe mais o Espírito Criador.
Mas todos temos medo do novo.
Não só aqueles apegados ao passado na liturgia, por exemplo, têm uma resistência ao novo. Também um teólogo progressista resiste ao novo, quando esse novo parece suplantar o que ele contribuiu. E, nesse caso, aquele que num momento foi instrumento de Deus, agora se torna óbice para a obra de Deus.
Irmãos queridos, como é bela a imagem da barca. A barca que abre suas velas e se deixa conduzir pelo vento: sem pressa, sem lerdeza, sem ambição, sem limites. Essa é a barca da Igreja, que ao longo dos séculos lutou. E lutou especialmente para tirar as âncoras que nós mesmos, por nossas manias e tiques, ficamos jogando para fora, buscando parar aquilo que é ação daquele vento impetuoso que fez estremecer a casa. A nossa casa-Igreja.

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