ÉGLISE


Quero contar a história de duas senhoras francesas. Há muitas coincidências sobre elas, a começar pelo nome: as duas chamam-se Église. As duas têm três filhos e eles têm a mesma idade: oito, dez e quinze, com as questões próprias de cada idade. As duas são peritas criminais. As duas têm um tio que têm sérios problemas com drogas e bebidas. As duas são católicas.
Para facilitar as coisas chamarei uma com o nome de Église, a outra chamarei simplesmente como "outra".
Église como perita criminal acaba tendo acesso à histórias, fotos etc. Além de vários livros que narram crimes terríveis. Para que os filhos não vejam, nem leiam aquelas coisas ela os coloca numa parte superior de uma estante de seu quarto, trancados com chave.
Já a outra, acha que deve confiar nos filhos, então ela deixa em qualquer lugar. Uma ou outra vez ela disse para eles não mexerem, mas se mexerem, é a liberdade deles.
Certa vez, o filho de oito anos de Église chegou com a borrachinha de um colega que não tinha sido emprestada. Église disse que ele cometeu um erro grave, o deixou de castigo e no dia seguinte chamou o coleguinha do filho com a mãe e, pedindo desculpas pelo acontecido, fez o filho devolver a borrachinha.
O filho da outra fez a mesma coisa. Ela também disse que ele não devia ter feito isso, mas sem castigar para não traumatizar. Disse que ele não devia fazer mais isso, e quando o coleguinha não estivesse vendo ele jogasse a borrachinha na mochila do colega.
O filho de dez anos de Église tem WhatsApp. Todos os dias ela pede que o filho lhe entregue o celular para que ela veja o quê e com quem ele está interagindo. Ela também aproveita e dá uma olhada no histórico da internet e colocou um filtro de controle parental para que o filho não acesse conteúdos impróprios.
Já a outra, prefere agir na base da "responsabilidade" e considera uma "invasão de privacidade" olhar o celular do filho. Ela acredita que o filho tem a sua consciência e por isso certamente não fará nada demais, afinal, cada um deve agir de acordo com a sua consciência.
O filho de quinze anos de Église não quer mais ir à Missa nem ao grupo jovem. Ela foi conversar com ele, e ele disse que se sente um imbecil por causa das musiquinhas e das dancinhas que ficam fazendo no grupo jovem, e que o padre na missa se enrola demais. Conversando, Église sugeriu que seu filho então fosse no curso de doutrina que o Padre da Paróquia vizinha (onde não tem dança) costuma dar após as Missas de Domingo que costumam ser mais breves. Vez por outra ela irá com ele também, mas ele assume o compromisso de ir, mesmo que sozinho. Pelo celular avisa quando chegar, avisa quando estiver voltando.
Já o filho da outra ouviu da mãe que Deus é liberdade e que quer que façamos tudo livremente, se ele não quer ir à Missa, tudo bem. Melhor não ir do que ir contrariado. Afinal, Deus é amor.
Église comprou um ótimo computador e o pôs na sala, próximo da TV. De modo que, o conteúdo que está sendo acessado é visto por todos na sala. Afinal, nem ela, nem o marido, nem os filhos tem que esconder nada do que vão ver na internet. Exatamente, por isso, também instalou um filtro para evitar que uma pesquisa em si mesma inocente, possa mostrar resultados inapropriados. Quanto à TV existe uma regra: assistir sempre juntos. Ela diz que ver TV sozinho é chato, que bom é ver e conversar sobre o que se viu. Por isso tem poucos canais, os de uma TV normal, e ao lado do sofá uma caixa de dominó: apareceu besteira na TV, ela desliga e diz: Domino! e todos se sentam no chão e brincam um pouco.
Já a outra, sempre considerando a maturidade e a liberdade de todos, deu uma TV, um tablet e um computador para cada filho com acesso total a tudo. Em certo sentido, a casa dela tem mais acesso à internet e TV que algumas cidades do Brasil. Afinal tudo deve ser dosado, "até o veneno dosado serve para remédio" diz ela para quase todas as coisas. Se algo errado aparecer ela tem certeza que o filho terá o bom senso de distinguir aquilo como algo indevido, mas se quiser vendo, é o seu livre-arbítrio em ação.
Como disse, as duas têm um tio que tem problemas com drogas e bebidas.
Église limita bastante a presença desse tio em sua casa. E quando ele está, um outro parente já é designado para estar junto dele, não há bebidas e ela, com jeitinho, diz que o tio está meio dodói, por isso não fiquem muito perto, se ele der alguma coisa, entreguem imediatamente a ela, e rezem sempre por ele.
Já a outra, não acha correto "discriminar" ninguém, quando o tio vai, compra as bebidas preferidas dele e deixa com que ele fique à vontade, totalmente em casa, faça e diga o que quiser; quanto aos filhos, diz que o tio é muito legal e está sempre rindo de tudo.
Não vou me estender mais na descrição dessas duas Églises.
Gostaria que sinceramente você me dissesse quem considera mais mãe.
Pois bem, Église, não é um nome de mulher em francês, Église quer dizer Igreja.
E não nos é difícil perceber que existem duas...
Escolha a que te for mais mãe!


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