EU?

Não sou um grande conhecedor de obras de arte, mas um pouco, certamente conheço.
Não sei se por ser verdade, ou pelo meu pouco conhecimento, penso que ninguém retratou tão bem a vocação de Mateus como Caravaggio.
Meio que escondido na escuridão está o Cristo. Nenhuma luz o ilumina, ele mesmo é luz, dramaticamente sua mão direita se ergue e aponta.
Ali está como que uma outra cena: um homem sentado. Em torno desse homem estão um velho, uma mulher, um adolescente cabisbaixo e um jovem armado de espada. O homem tão dramaticamente como foi apontado aponta para si mesmo, como quem não acredita ser ele mesmo o destinatário daquele apontar. No centro da cena uma janela aberta, mas nenhuma luz entra por essa janela, mas vem do alto, de cima do Cristo apontador.
Eu?
Os olhos surpresos de Mateus parecem questionar a escolha.
Eu?
O velho parece sugerir a Mateus que não acredite nesse chamado.
A mulher, simbolicamente está entre Cristo e Mateus, como se diante dele estivessem duas escolhas: seguir sua vida, casar-se, viver normalmente, ou entregar-se a Cristo no caminho da renúncia a todo amor terreno por causa do Reino dos céus.
O jovem cabisbaixo, parece dizer a Matheus que ainda tem muito tempo pela frente. Não precisa ser agora, pode deixar para mais tarde o seu sim.
O homem de espada parece inclinar-se para o Cristo, mas na verdade olha para a porta por onde o Cristo vem, como quem está corajosamente armado... para fugir.
E Mateus continua apontando para si.
Todas as possibilidades estão naquele instante diante dele.
Foi feita uma proposta por Cristo e mil pelo mundo.
Mas as mil do mundo se resumem numa só palavra: Não.
Eu?
Passado lembrado, presente vivido e futuro desconhecido se erguem diante de Mateus e aquele dedo apontado não cessa de insistir.
Eu?
As mãos de Mateus já não estão na mesa, mas no seu peito. Uma perna aparece iluminada debaixo da mesa. É a de Mateus que se levanta e deixa a mesa. Não responde falando, responde levantando, da mesa, da vida. Não mais perguntando, mas se apresentando: Eu!

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