CRUZ E ESPINHOS
Caros irmãos e irmãs, “A Cruz e
os espinhos do meu Senhor são o meu cetro e a minha coroa”. Assim escreveu
Santa Izabel, Rainha de Portugal, ou como carinhosamente lhe chamam os
portugueses, a Rainha Santa. Nascida não em Portugal, mas em Aragão, no ano de
1271, filha de Pedro III de Aragão e de Constança da Sicília, herdou de sua mãe
uma profunda devoção pelo seu conterrâneo materno, São Francisco de Assis.
Mesmo sem falar, ainda no berço, a pequena princesa já pacificava os corações,
sendo a causa da reconciliação entre seu pai e seu avô. Em 1282, é conduzida ao
Reino de Portugal para contrair matrimônio com o recém-elevado ao trono, Dom
Dinis.
Sua modéstia, amabilidade e doçura conquistaram o povo a quem amava
profundamente e que retribuía o amor da Rainha. Seu marido e seu cunhado,
outrora brigados, graças à oração e aos bons conselhos da Rainha Santa, puderam
selar a paz entre si e no Reino. Sem abrir mão de sua condição de Rainha e fiel
cumpridora de s u a s obrigações, jamais deixou de buscar aquele Reino que dura
para sempre e aquele tesouro que não se acaba. Tendo a cabeça cingida por uma
coroa, cingia seu coração com a humildade: “A Cruz e os espinhos do meu Senhor
são o meu cetro e a minha coroa”. Todos os dias, a Rainha Santa assistia a
Santa Missa, e rezava o que hoje chamamos como Liturgia das Horas.
“A Cruz e os
espinhos do meu Senhor são o meu cetro e a minha coroa”. Devotíssima da Virgem
Maria, especialmente à sua Imaculada Conceição, quis a Rainha proclamar a
Imaculada como Padroeira de Portugal e por sua iniciativa celebrou-se pela
primeira vez a festa da Imaculada a 08 de dezembro de 1320. Como anjo da paz
entre os seus, tantas vezes levantou-se para evitar guerras e disputas entre
seus irmãos, cunhados e mesmo entre seu marido e seu filho. “A Cruz e os
espinhos do meu Senhor são o meu cetro e a minha coroa”. Nem sempre foi
atendida em seus intentos, o que lhe causava intensos sofrimentos, mas sempre
esperava e confiava naquele que é o Príncipe da Paz, para quem não há derrota.
Num momento crucial de sua vida, montada num cavalo põe-se no campo de batalha
entre aquelas criaturas mais amadas de sua vida, seu marido e seu filho. Diante
de sua audácia e confiança, ambos desistem de seus intentos e sua família e seu
reino conseguem a paz.
Imaginemos a Rainha num dia normal de sua vida: oração
intensa, fiel cumprimento de suas obrigações reais, atenção ao marido e aos
filhos, promoção da paz entre os reinos... num momento a Rainha precisa
ausentar-se do palácio: pronto! Organiza-se uma espécie de procissão, pobres,
inválidos, doentes, todos atrás da Rainha, imploram sua misericórdia. Ninguém
sai desprovido. Para onde se dirigia a Rainha? Talvez para uma das várias
Igrejas que mandou construir, ou ao Convento de Santa Clara que mandou
levantar, ou simplesmente a um leprosário, cuidar dos doentes mais tomados pela
lepra, nos quais pouco se podia distinguir de humano... A Cruz e os espinhos do
meu Senhor são o meu cetro e a minha coroa”.
Com a morte de seu marido em 1325,
a Rainha Santa se afasta um pouco das pompas da corte, e entrega-se mais à
oração, à penitência e a caridade, viverá ainda 11 anos, sem deixar de ser uma
promotora de paz. Aos 65 anos, a 04 de julho de 1336, enquanto tentava um
acordo de paz em Estremoz, no sudeste de Portugal, tem uma visão de Nossa
Senhora e lhe diz: “Maria, Mãe da graça, Mãe de misericórdia, protege-nos do
inimigo e recebe-nos à hora da morte”: foram suas últimas palavras nessa terra.
Seu corpo, conforme seu desejo, foi sepultado no seu querido convento de Santa
Clara em Coimbra”.
Embora já fosse amada e venerada especialmente por
portugueses e espanhóis, havia um grande desejo popular de que fosse proclamada
santa. Seu processo de canonização chega então ao Papa Urbano VIII, que tinha
por intenção regularizar todo o caminho de um processo de proclamação de
santidade. E julgava então que para regularizar esse processo seria melhor
ficar um tempo sem proclamar novos santos. Por mais que tantos insistissem, o
Papa não mudava de ideia. O então Rei Filipe IV, depois de muito pedir sem
alcançar nenhum resultado, deixa com o Papa uma imagem da Rainha Santa, o Papa
a aceita, talvez mais por educação do que por devoção... Acontece que poucos
dias após Urbano VIII cai doente, e no meio de suas dores, recorda-se de tudo o
que ouvira a respeito da Rainha Santa, de seu amor aos doentes, de seu cuidado
com os mais necessitados, e o Pontífice pede a intercessão da Rainha.
Imediatamente vê-se curado, e certo de sua santidade, a proclama santa,
estendendo seu culto a toda Igreja Católica. Santa Izabel acabou sendo a única
santa canonizada por Urbano VIII nos seus 21 anos de Papado.
Irmãos e irmãs,
após esse panorama sobre a vida de nossa Santa, gostaria de perguntar-lhes:
qual terá sido a maior tentação de Santa Izabel? Creio que na vida de Santa Izabel,
como tantas vezes na nossa, nem sempre a tentação foi de cometer pecados, mas
de não progredirmos no caminho da virtude. Resumindo, Santa Izabel teve que
vencer a tentação de ser apenas boazinha. Deus não quer que sejamos bonzinhos,
catoliquinhos, e tantos inhos que o mundo nos sugere: Deus nos quer santos!
Sim, meus irmãos, não somos tentados somente a pecar, somos tentados a sermos
bons, mas não muito. Ou seja, a tentação de uma vida mais ou menos, nem muito
pecadores, nem muito santos, uma vida de católicos, mas não muito radicais,
inventando uma religião misturada com as conveniências da nossa carne, do
mundo, ou quem sabe até mesmo com as do demônio.
Deus sempre quer mais. Deus
não se contenta nunca com a nossa santidade pessoal, sempre esperará mais, e
devemos dar mais. Ao vermos Santa Izabel, percebemos uma vida consumida pela e
para a glória de Deus. E nós? Tantas vezes não escutamos dentro de nós uma voz
rouca dizendo: Para quê isso tudo? Não precisa tanto! Já está bom assim. A maior
parte das pessoas não faz metade do que você faz... Santa Izabel não podia nem
queria se contentar com uma Missa por semana e uma esmola esporádica... Não!
Sua alma católica e consequentemente grande lhe exigia mais ! E se ouvia os
questionamentos acima, sua resposta seria como a do Apóstolo: Impendam et
super impendam: Me gastei e me gastarei mais! A Cruz e os espinhos do meu
Senhor são o meu cetro e a minha coroa”.
Também nós , meus irmãos , não
podemos nos contentar como uma fé frívola, apagada, permeada até por uma ou
outra devoção, mas que não gera vida, nem testemunho de fé. E isso é arriscar
as nossas coroas e os nossos cetros, porque o mundo não nos entenderá. É
marcante nas imagens da Santa os pães transformados em rosas. Sabemos que Dom
Diniz não aprovava a vida radical de Santa Izabel.
O Rei não era um monstro de
crueldade, era apenas uma “alma sem fé”, e é isso mesmo. Porque lhe faltasse
uma fé viva, uma fé que lhe comprometesse a vida, não entendia e por isso não
aprovava o “exceder-se” de sua esposa. O Rei não desaprovava que de vez em
quando a Rainha rezasse, ou desse esmolas, mas sempre, todo dia, toda hora...
Era demais para o Rei. É demais para o mundo. Vivemos num mundo sem fé. Não
podemos querer os aplausos de um mundo sem fé. E consequentemente ignorante da
arte de amar. Um mundo compulsivo e insaciável sempre nos recomendará moderação
no que diz respeito à nossa fé. E o irmos um pouco além do medíocre já nos dará
a alcunha de radicais fundamentalistas.
Necessitamos estar unidos à fé de nossa
Igreja, não só por meia dúzia de devoções, mas por uma adesão firme e total ao
Magistério da Igreja, mesmo naqueles assuntos que o mundo jamais poderá
compreender, porque um mundo sem fé, não pode aplaudir uma pessoa que se
alicerça na fé. A Cruz e os espinhos do meu Senhor são o meu cetro e a minha
coroa”. Tal como Dom Diniz, o mundo não odeia oficialmente a fé. Até a tolera,
até diz que é bom ter alguma fé e se mostra complacente com qualquer religião
que não interfira diretamente na vida das pessoas. Uma religião adocicada,
estilo self-service, onde cada um pega o que gosta e concorda, e que não vai
além das paredes de um templo. Essa não é a religião de Deus, mas do mundo.
Onde está sobre o altar mais elevado a adoração a si mesmo, ao seu ego, à sua
própria vontade. O mundo não nos entende.
Não experimentam isso, por exemplo,
os casais que sendo verdadeiramente católicos não secam as fontes do amor e se
abrem responsavelmente para ter tantos filhos quantos Deus os enviar? Não lhes
faltarão perseguições, mesmo entre aqueles que dizendo comungar da mesma fé,
são lobos travestidos de ovelhas e lhes darão conselhos com endereços e
telefones de quem os poderá fazer menos radicais. Para que tudo isso? Não
precisa tanto? Não é bem assim, sabia que até fulano, sim fulano que é tanto em
nossa comunidade, já fez... A Cruz e os espinhos do meu Senhor são o meu cetro
e a minha coroa.
E o refrão da vida de Santa Izabel começa a ecoar na vida da
família numerosa, na vida da mãe que sacrifica sonhos para estar mais tempo com
seus filhos, do pai que não entra num esquema corrupto que lhe daria muito
dinheiro, do jovem que se retira de uma rede social onde se compartilha
imoralidades, do médico que permanece fiel à doutrina católica, mesmo quando um
governo iníquo o ameaça punir, do enfermeiro que trata bem um paciente que lhe
xingou...
A Cruz e os espinhos do meu Senhor são o meu cetro e a minha coroa”.
Se queremos reinar com Cristo na glória, precisamos reinar com Ele na terra. E
na terra, as insígnias reais do Senhor foram, como compreendeu a nossa Santa,
cruz e espinhos. Hoje o Senhor nos chama a um dar mais. A um radicalismo, sem o
qual não se segue o Senhor. Cada um de nós, pense que passo a mais o Senhor nos
pede agora. O passo do perdão, da confiança em sua providência, de uma vida de
oração mais intensa... Não importa. É só mais um passo. Olhemos tudo o que já
somos e fizemos por Deus, se tantas coisas grandes já vencemos, porque serão
tão difíceis esses pormenores. Talvez o passo que o Senhor nos peça hoje seja
um sorriso, um boa noite, um jogar fora algo que conservamos em nossa casa, mas
que nos separa do amor de Deus, ou até mesmo uma mensagem de WhatsApp dizendo:
Me desculpe!
Uma ave, quer acorrentada com
grilhões de aço, quer amarrada com um fio de linha é incapaz de voar. Por
intercessão de Santa Izabel, o Senhor nos liberte o quanto depende dele, e nós
nos libertemos o quanto dependa de nós, de tudo aquilo que nos impede de livres
voarmos o voo da nossa vitória. Nesse dia, aí sim, nós também poderemos dizer:
A Cruz e os espinhos do meu Senhor são o meu cetro e a minha coroa”. Amém
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