RECONCILIADO


Certa vez perguntaram ao Irmão Roger, fundador de Taizé se ele era católico ou protestante. A resposta foi: reconciliado. O Irmão Roger não estava menosprezando a religião, a Igreja... não! Ele foi um passo além: viveu a reconciliação que lhe fazia abrir os braços para todos, rezar com todos, celebrar com todos, sem exigir nada de ninguém. A única exigência era ser livre.

Mas o Irmão Roger não foi o primeiro nesse caminho. Embora nunca tenha sido perguntado sobre isso, São Francisco poderia dar a mesmíssima resposta. Um homem reconciliado.

A reconciliação de Francisco se dá num primeiro momento consigo mesmo: a reconciliação com o fracasso e a doença por causa da guerra, a reconciliação com seus medos e preconceitos no beijo do leproso, a reconciliação com a sua história de vida, abrindo mão de tudo diante do Bispo Guido.

A reconciliação com os irmãos vai crescendo à medida em que percebe que o "seu" caminho não era exclusivo, mas era preciso aceitar os irmãos que Deus lhe enviava. E na convivência com eles, Francisco excede o amor paterno, ao ponto de Frei Leão chamá-lo nem sempre de Pai, mas também de Mãe...
É claro que surgem questões, conflitos...e as atitudes aparentemente desmedidas de Francisco vinham exatamente da sua reconciliação interior. Por isso é capaz de destelhar uma casa menos pobre do que deveria, é capaz de sair de uma refeição (sopa...) por julgá-la rica demais para um frade menor... sem a mínima mágoa, unicamente por amor. Assim os primeiros frades puderam testemunhar aquilo que S. Paulo falava de Jesus: o amor de Cristo nos constrange. Assim também o amor de Francisco os constrangia.
Esse constrangimento experimentou sobremaneiramente Clara, que rompe com tudo e todos para também trilhar o caminho de reconciliação no Domingo de Ramos de 1212.
Essa mesma reconciliação o leva a abrir o mesmo caminho de santidade e pobreza aos que viviam no século, através da Ordem Secular.
Não é esse homem reconciliado capaz de conseguir pelo diálogo e testemunho não só a libertação dos lugares santos, mas até mesmo a amizade do Sultão?
Esse mesmo homem morre rompendo os limites acolhendo junto de si aquela bondosa senhora Jacopa de Setessoli, dando-lhe o pro-nome de "Frei", como se fosse (porque era para ele) um irmão.

A partir de então compreendemos um dos pontos mais famosos de Francisco: a reconciliação com a natureza. Quanto mais parecido com o Cristo, Novo Adão, Francisco traz para si aquele estado original de paz do ser humano com toda a criação. Indo além da utilidade, para a verdadeira caridade. Para Francisco as criaturas mais que úteis, são amáveis. Por isso louva a Deus pelo sol, lua, vento.
Para Francisco tão importante quanto ouvir as cotovias, é que elas também possam escutar o quanto Deus a ama, por isso prega também a elas.
Por isso personifica tudo, chegando a pedir ao fogo que não o queime muito quando precisa passar por uma cauterização... e é atendido.

E a reconciliação com Deus?
A reconciliação com Deus é o pano de fundo de toda reconciliação. As reconciliações não são processos numéricos: primeiro essa, depois aquela... Não! Elas se sucedem, se alternam, se juntam... e sob todas elas se vive a reconciliação com Deus que no caso de Francisco não foi só "fazer as pazes" mas um verdadeiramente ser absorvido. Francisco se deixa absorver de tal modo por Deus que ele mesmo se torna um crucifixo vivente.

Num momento onde queremos tudo bem separado, definido e catalogado. Peçamos ao Senhor a graça da reconciliação que derruba os muros e levanta as pontes.

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